RECEITA DE COXINHA

E ainda me perguntam

Porque ando tão trancado

Assustam com o meu jeito

Demasiadamente desconfiado

É que aqui bate no peito

É que aqui já faz tarde

E ainda me querem calado

Que os que eram

só eram

só eram

Agora querem mandar!

Mas nasceram para ser mandados!

Por que inverter a ordem:

Se até aqui chegamos ilesos,

Se até aqui conseguimos tocar?

Já estou cansado

Desse país de merda

Dessa gente sacada da merda

Desse jeito de se tropeçar na merda!

Já estou cansado

Desses que até outro dia

Não eram mais do que eram,

só eram

só eram

E agora querem morar no meu prédio

Quem não percebe que tédio

Seria o mundo da gente se a gente não reclamasse?

Que fase! Um país que tem tudo para ser evidente, que fase! Um país que tem tudo para me orgulhar, que fase! A culpa é deles, a culpa é deles, deixaram essa gente tão colocada no atraso chegar e ditar – as regras. Que fase! – que medo eu tenho da gente, que fase! O mundo da gente nunca acaba em catarse, que fase! Desastre ninguém entender o que avisa a TV, que fase! Que fase, meu deus, que fase...

Um cidadão consciente,

Nunca deixo troco pra trás,

Vou mudar-me de hemisfério, eu nunca falei tão sério.

Sigam-me os bons! – preferimos lavar banheiro em Maiami, ser coveiro em Niu Iorque; a ter que dividir minha terra,

A ter que dividir minha renda, a ter que dividir minha língua, os meus costumes, o meu passeio, o meu estrelato, a minha rotina,

Com essa gente que me pergunta

Porque ando tão trancado

Ninguém vê que liberdade não é coisa para a gente.

Primeiro: ordem, depois progresso – mas essa gente quer inverter o lema da bandeira.

Essa gente que era

só era

só era

quer se alimentar da minha merenda; daqui a pouco é o mesmo carro;

e até se casam com meus filhos.

Ou os meus netos.

Sairei deste país de merda por eles.

E irei pra algum lugar

Sem essa gente que era

só era

só era

Lá, com certeza, todo mundo é.

Vê só, que gente tola, quer até mudar o tempo do verbo.

Ser.

[trata-se de ironia, tudo bem?]