DESTA VEZ NÃO DEU
Meu irmão reclama um pouco das muitas historietas que conto a respeito dele, mas, na verdade, já protagonizou lances muito engraçados, que merecem registro. Costumo contar também as minhas idiotices, portanto, ficamos quites. A vida seria chata se não houvesse escorregadelas e, principalmente, se não tivéssemos o direito de torná-las públicas e achar engraçado. Como diziam os guris lá de Encantado, pior é a guerra. Não vou contar uma de nossas idas ao badaladíssimo Wunderbar, logo depois da minha separação, lá por 1989. Só vou dizer que, certa feita, pedimos um filé flambado e, não sei exatamente como, Ricardo acabou botando um fogaréu no prato, garçons correndo e jogando água e o charme da nossa presença na noite escorrendo ralo abaixo. Vou contar - novamente - outro episódio em que estivemos no mesmo local, em companhia de meu filho, então adolescente - curioso e crítico, como é o natural da faixa etária. A gente queria se dar bem na noite e, ainda, mostrar pro piá como é que se fazia no Wunderbar de sábado, atrolhado como sempre, muita gente conhecida, famosa, bonita. Sim, era o "point" de Porto Alegre, congregando o "beautiful people" cheio de amor pra dar. Ficava na Marquês do Herval, próximo ao Leopoldina Juvenil. A paquera corria solta, mas sempre muito sutil, com modos, pois, como registrei, era espaço refinado de entretenimento e deleite, numa era em que reinava ainda alguma discrição. Lá pelas tantas, enxerguei duas amiguinhas, não muito bonitas, irmãs de um bom amigo. Avisei os companheiros de mesa e ficamos na nossa, ignorando a presença das gurias, sentadas ao balcão. Para ser sincero, elas eram uma ameaça a nossos melhores planos. Infelizmente, a noite não foi frutífera, mas comemos muito bem, como era regra naquele excelente e saudoso estabelecimento. A horas tantas, resolvemos ir embora, até pelo fato de que se armava um grande temporal, que, ao fim e ao cabo, desabou violentamente. Não tivemos sorte de partirmos em liberdade; a despeito de todo nosso esforço para despistá-las, as gurias deram um jeito de nos pegar na porta, pedindo carona. O problema não seria propriamente a carona, mas o fato de que eu achava que uma delas tinha algum interesse por mim, sem nenhuma correspondência. Entramos no carro, as duas atrás com meu filho e Ricardo na copilotagem. O engraçado foi quando as deixamos em casa: uma das gatinhas, a título de despedida, estendeu o braço para fazer um carinho com a mão em minha cabeça, mas eu me abaixara bem naquele momento para ajeitar o banco e ela ficou pendurada no ar, com o gesto vazio: meu filho se mijou discretamente de rir pelo patético da cena. Então, meu irmão, tomado pela ansiedade ou, quem sabe, pelo constrangimento, a seu estilo incontrolavelmente simpático e falante, resolveu narrar detalhadamente o acontecido, fazendo caras e trejeitos de solidariedade, que só ressaltaram o ridículo da trapalhada: “É, desta vez não deu, ele foi um pouco para a frente.”