GENTE: texto aberto
GENTE: texto aberto
De todos os sentimentos humanos, o que mais me revolta é a capacidade para humilhar delicadamente. Sabe aquela frase linda e delicada, dita sorrateiramente: “É que você não cozinha, só serve. Vamos chamar o cozinheiro”. E lá vem o cozinheiro, somente para repetir tudo que o garçom (já alinhado com o cozinheiro e já careca de conhecer todos os cardápios – somente não os faz, mas sabe como são feitos nos mínimos detalhes – para isso serve o alinhamento) dissera anteriormente.
O coitado do garçom, nesses momentos, deve se sentir um bosta, um nada, somente porque não sabe cozinhar. Mas, pensando bem, o que torna o cozinheiro melhor que o garçom? A atividade em sim? Certamente não. O cozinheiro é melhor porque ganha mais, porque hierarquicamente sua posição é superior (isso justifica seu salário maior).
Então, nessa linha de raciocínio, todos que estão na base da pirâmide merecem ser tratados com menosprezo por lá estarem (alguns momentaneamente, outro para sempre)? Então respeito não é um direito de todos? Então o indivíduo/trabalhador não deveria ser tratado pelo seu empenho, competência e afinco no trabalho (qualidades que demonstram o quanto este é competente e bom no que faz, independente do que faça)?
Sim. Todos deveriam ser tratados dessa forma, independente de suas posições na pirâmide. Entretanto, pessoas preconceituosas, apegadas a status e a conceitos que prezam somente objetos e não o indivíduo e sua capacidade existem no mundo real e é fundamental saber lidar com elas sem se deixar atingir.
O garçom é realmente uma pessoa insignificante? Não. Ele soube informar tudo o que era preciso. O cliente é de fato uma pessoa tão importante, e sua posição é realmente justa e real, para que se dê tanta importância a ele? De modo algum. Ao garçom é necessário maturidade para ouvir esse tipo de preconceito sem carregar isto para dentro de si, sem aceitar que ele é isto, um bosta. Somente a maturidade, construída com muita reflexão, eleva o indivíduo a esse estágio de não se permitir ser atingido pelas injustiças proferidas pelo outro. Porque independente do que pensa o cliente, o garçom está fazendo seu trabalho, e fazendo bem, já que o cozinheiro não trouxe nenhuma informação nova. Mas, se o cliente precisa de um título para aceitar o que é dito, então o tolo, coitado e bosta é ele, que de permitiu ser envolvido pela escravidão dos títulos, das aparências, do status, que deixou (e desvalorizou isto) de ser gente/ser humano para obrigatoriamente ser uma imagem a ostentar o que um restrito grupo social determina.
Lamento por todos os clientes que, alienados, vivem escravos do status. Estes somente vivem, porque imagem não tem vida, apenas tem amostragem. Pessoas devem ser gente, devem fazer mais que viver. Devem existir como indivíduos que exercem direito de escolha. Estes sim são importantes, porque não há nada mais importante que GENTE! Isso sim importa, e este status todos temos.