Jornal de Ontem
Acordei nu em uma cama vazia, em um quarto vazio, ali me desconhecia dentro de minha própria casa, atordoado pelo sonoro marchar itinerante de homens e mulheres seguindo em seus rumos, de suas vidas vazias e sem rumo; Levantei-me trêmulo, mareado, olhei meu reflexo no espelho e via menos de mim do que a cada dia passado anteriormente, caminhei na penumbra pelo corredor, estava tudo muito escuro, e muito claro para mim que aquele dia seria como todos os outros; vazio; me dirigi a porta, a abri os raios de sol, os poucos deles que transcendiam as nuvens cinzentas ofuscaram meus olhos, conseguia apenas olhar para baixo, dai então apanhei o jornal sobre capacho ainda umedecido pelo orvalho da manhã; Jornal aquele que poderia ter de cabeçalho a mesma data todos os dias, pois teimava em se repetir o conteúdo, ou a falta dele; vazio; mas se o torcesse sangue escorrera-me dentre os dedos; Adentrei novamente o recinto que por sua vez estava vazio, lancei o jornal encima da mesa, por azar acabei derrubando uma taça meia cheia de vinho, ou seria meia vazia? O tapete amorteceu a queda, eu não me permitia ter cristais em casa, muito menos ela, algo místico não sei bem explicar, nem ela sabia; O vinho seco manchou o aveludado persa, mas o vidro de segunda mão não partirá, menos mal, só observei; deixei tudo ali do jeito que ficou não toquei em nada, tinha duvidas se era as quintas-feiras ou aos domingos que a diarista vinha, na realidade, não sabia que dia era aquele; Entrei no quarto novamente vazio, e somente ao passar pelo enorme espelho do closet pude notar que estava nu, e que eu saíra nu para apanhar os jornais, fiquei corado, no baú a beira da cama saquei um hobby branco, daqueles que surrupiávamos em Motéis em noites tão longas que acabavam sempre vazias; Senti fome, abri a geladeira, peguei o queijo e a azeitona, o que não era recomendável, minha pressão estava muito alta nos últimos dias e o remédio estava por acabar, aquele velho chá ainda estava sobre o fogão, envelhecido e curtido como pinga, o coloquei a ferver, sentei-me a mesa, procurei ali no jornal de hoje em meio a tantos outros, no qual estava no chão do outro lado, ironicamente encima do vinho escorrido, o apanhei, o abri, ri gostosamente quando vi o cabeçalho todo manchado de vinho tinto seco; Me surpreendi com a capa dizendo em palavras vagas e informações vazia: EXTRA EXTRA "PUDOR, SONÂMBULO TARADO SAI NU TODOS OS DIAS PARA APANHAR O JORNAIS" (Pág.. 2 e 3 Testemunho se sua empregada que diz ter medo de ficar só com ele em sua casa vazia)