VOCÊ JÁ FOI À BAHIA, NEGA?

Este foi um evento real, vivenciado pelo irmão Ricardo, há bem mais de trinta anos, que, de tempos em tempos republico, porque, de algum modo, simboliza o início de uma nova era, que não acontecia na minha juventude e que deixaria meus pais “injuriados”, como se fala por aí. Era, enfim, o esplendor da modernidade, quando os monstros sagrados do nosso mundo artístico ainda engatinhavam ou davam os primeiros passos, procuravam uma nova estética, abusavam do talento e faziam de tudo para serem notados. Sempre naquele gênero "blasé", tipo assim "foda-se a plebe ignara, que eu sou mais eu". Coisa revolucionária. E achávamos tudo muito legal (na verdade, sempre achei fajuto). No auge da empolgação por uma bonitinha que conhecera há pouco tempo e que chegara de umas férias morenas na Bahia, este meu irmão convidou-a para uma noitada nobre no extinto LE CLUB, que fez grande sucesso por estas bandas, e onde pude curtir ao vivo e a cores os inesquecíveis GOLDEN BOYS, que os mais novos não sabem exatamente do que se trata ou, se sabem, não dão a menor bola, os tempos são outros. “A jovem em questão, formada em francês pela Aliança, era “muito simpática de corpo”, como dizia educadamente um conhecido; a moçoila, além de dotes culturais, era assaz compenetrada e, como ainda se dizia, era “moça pra casar". Apresentava-se um festejado artista nacional, à época arrebentando na carreira. Show badalado, convites caros, com jantar e champanha, esperanças e promessas muitas no ar. Conseguiu mesa de pista, juntinho ao palco. Tudo como manda o figurino. Ricardo gostava de galanteios convencionais, sempre muito cortês e atento. A conversa fluía, entrecortada, como de hábito, pelo entrevero do evento concorrido e vibrante, até o silêncio impositivo do início do espetáculo. O artista, soberbo, dominando o palco, a cidade e o planeta, deu o tom, com o apoio lânguido do violão: “Você já foi à Bahia, nega?” Ricardo, então, aproveitando a deixa, possivelmente com trejeitos de galã, sussurrou pressuroso à Musa da vez: “Olha, olha, essa é pra ti.”. E o cantor, com a conhecida cara de pau daqueles novos tempos, arrematou: “Então, foda-se!”.