GABO
E meia hora bastou – ela apega-se ao sono. Não meia hora do dia-a-dia, pois aqui não dá, mas no jeito anti-horário, o fim viesse sempre antes e o tempo exato fosse antepassado. Viver no mundo dá contravantagem, eis que o sono é uma coisa, e apenas mora em minha cabeça e o meu coração sempre diz, quer morar no destino?
As coisas são como são, coisas, até que lhe encontrem alguma saída, entretanto, permanecerão coisas até lá, até. Novidade pacheca. De abrir os olhos meridianos, criatura sonolenta, os olhos e alma, sabe você como quem sabe que os olhos e a alma são coisas e como coisas, dependem. Sabe quem, como coisa que é; os olhos também. Então, as coisas têm alma e são tocadas por outras, assim, a alma depende do toque e não do tocado... Eu vi isso também, criatura. Vi isso também...
Gabo – por que o descaso guarda tamanho tão secular? Abre quem nunca foi ninguém e coloca a intervenção da pergunta nessa abertura. Gabo – explica no toque, mas nem sempre através da alma, por favor, pois esse servo aqui não é de figura, por que quem usa o indivíduo de roupagem teme contra o indivíduo?
Gabo – por que Úrsula não sabia jogar xadrez, se Úrsula era sempre o nosso pai, e pouco a nossa mãe? Gabo – perdoe-me a ignorância, mas primavera é a estação que sucede lua cheia?
O sono, dá-me sono do um sono só, intenso e literal, Gabo, abrir-me em páginas, Gabo – e fechar os cem anos de solidão e o amor nos tempos do cólera e a memória de minhas putas tristes e um conto além de mil contos, Gabo. Úrsula era nosso pai. E amarrados à árvore estão os nossos irmãos, Gabo. E chumbados aos pés estão os avós, os primos dos primos e os tios, as desavenças não. Gabo, por que leva tanto tempo pra gente dormir de mansinho?
Gabo, conversamos por estes dias e isso tem pra lá de vinte anos, você dizia ter virado coisa. E há vinte anos pra lá disso tenho assim escrito com as mãos daquele dia, Gabo, dia esse que faz agora. Falou-me em prosa, publique então na minha coisa.
E agora vira coisa, Gabo, publiquei há vinte anos e coisa então você já estava. Não sei quem disse o que desembarcou no Século 21, Gabo, estamos vinte anos presos, vinte vezes o tempo em ciclo, vinte luas cheias caso o tempo todo fosse um mês. Gabo, não chegaremos ao Século 21, pelo menos um de nós ficará coisa.
Não dará, então, tempo para termos aquela conversa: aquela conversa futura de vinte anos atrás.