RETALHOS DE PÁSCOA
Havia planejado ir a Gramado hoje, mas não deu, vou amanhã curtir a Páscoa, com Andrea, a filha, o genro e o netinho Vicente. Fiquei em falta com meu amigo e literato Jayme Camargo Piva, que está lançando o seu livro “Ciência da Burrice” e que escreve primorosamente. Jayme haverá de perdoar-me. A data impõe reflexões, não apenas religiosas, éticas e filosóficas, mas a respeito da própria vida, com o que se volta, parece, aos domínios da filosofia, talvez um pouco de psicologia ou psicanálise. É que eu desejava produzir um texto pascoal, tradicional e simples, mas o que me veio à mente foi o drama shakespeariano do “ser ou não ser”. Explico. Já contei a vocês que minha intenção original era cursar literatura, jornalismo ou filosofia. Meu pai aconselhou-me a seguir o curso de Direito para ganhar a vida e, depois, se fosse o caso, que eu me dedicasse aos caprichos ou gostos pessoais. Sempre saudei este conselho paterno como adequado e sábio, tanto que o segui e só prestei um vestibular, que foi para o Direito na UFRGS, em 1966. Realmente, apreciei o Curso, advoguei, tive belas experiências, aprendi, estudei e, inclusive, lecionei – talvez a minha mais nobre dedicação na vida de trabalho. Nenhuma queixa. Mas preciso colocar a questão. Meus textos têm sempre uma certa nota confessional ou de catarse. Afinal, quem ousa escrever não pode permanecer escondido, com medo das próprias ideias e sentimentos. As datas importantes mexem com a intimidade da gente. Nesta fase da existência, que alguns gostam de rotular como “o outono da vida”, não é à Ciência Jurídica que dedico mais atenção, mas às crônicas sobre os mais diferentes assuntos, inclusive os de fundo legal. Aqui exsurge a questão crucial do “ser ou não ser”: deveria mesmo ter seguido a orientação do velho pai ou poderia ter sido, quem sabe, um literato, jornalista ou filósofo mais dedicado? Não estou cogitando de méritos, mas de produtividade e realização pessoal. Foi bem na véspera desta Páscoa que a dúvida se fez mais presente, mais incisiva: não é um tormento, apenas uma interrogação singela. A vida da gente é cheia de encruzilhadas deste tipo, não dói refletir a respeito daquilo que já foi, é ou ainda será. A Páscoa será muito feliz por outros valores e emoções, mas creio que a dúvida permanecerá eternamente. Seja como for, não tenho nenhum arrependimento e acho que o velho me deu um belo conselho.