O CORTE (filme)
Volto a recomendar o filme O Corte (Le Couperet), de Constantin Costa-Gavras, de 2005, ambientado em França, Bélgica e Holanda, que refletiu a grande crise de desemprego europeia advinda da convulsão do capitalismo, das consequentes restruturações corporativas e os corriqueiros cortes de pessoal. O filme é ótimo, uma espécie de drama de humor negro, com pinceladas de ironia e forte crítica política ao sistema, ou seja, à sociedade materialista, brutalmente competitiva, consumista e vazia em termos de valores humanos. O materialismo é tão acentuado que o personagem não consegue mais distinguir sua própria vida do trabalho, havendo perdido completamente o senso depois de exercer por 15 anos alto cargo executivo e, seis meses após o recebimento de prêmio por serviços prestados, vê-se demitido em nome de um processo de “reestruturação” ou "reengenharia" corporativa. Há três anos procurando emprego infrutiferamente, resolve assassinar todos os mais fortes concorrentes para vagas nas melhores empresas. É engraçado e retrata bem uma realidade europeia (não só europeia) que eu já observara pessoalmente, consternado, em 1997, em 2006 e 2007, principalmente. Feita esta introdução, quero ponderar com vocês como o trabalho é importante para o homem, nos tempos atuais, por mais idiota que seja. Sua supressão, independentemente dos reflexos econômicos, arrasa a autoestima e o equilíbrio do indivíduo, abalando as estruturas familiares e sociais. Não sei se seria exagerado afirmar, mas uma separação amorosa de longa data pode produzir, no homem, efeitos deletérios menores que uma demissão súbita, indesejada, especialmente para quem galgou posição de certo destaque empresarial. Sobretudo numa determinada faixa etária. Assim também deve ser o caso de uma falência ou quebra. É questão tão aguda que, em alguns casos, a pessoa pode até sentir algo semelhante ao ensejo de um acontecimento que deveria ser saudado como prêmio ou grande conquista: a aposentadoria. Sim, há quem entre em depressão e sofrimento ao pendurar as chuteiras. Mas, convenhamos, em boa parte dos casos analisados, aposentadoria é dilema a que o trabalhador precocemente se submete, preocupação material por falta de cautela ou arrojado passo no escuro. Não se pode negar a força destrutiva do estresse destes tempos e a cobrança que o sistema costuma fazer ao modo de vida e às responsabilidades do homem provedor. Sem falar nos apelos sempre mais sedutores da sociedade de consumo. Já pedi demissão algumas vezes, já fui demitido, já passei por poucas e boas. Não foi bom, mas, como já disse alhures, sofro do mal do otimismo e sempre pude dar a volta, como tantos que conheço. Portanto, não é uma desgraça, pode acontecer ao longo de qualquer existência produtiva e laboral e é preciso eventualmente estar preparado para segurar a onda. Mas nada justifica o vale-tudo, o golpe rasteiro, o desespero emulativo, que só ficam engraçados em filme, como no caso.