É você?
Ao longe já ouvi gritos.
Em meio à vegetação avistei a junta de bois puxando o arado que ele, como num desafio razoavelmente radical, tentava segurar sem ser atingido pelas pedras e tocos do caminho.
Olhei firme em sua direção. Tinha a pele dourada pelo sol mesmo estando protegido por um enorme chapéu de palha. Um homem bonito. Demonstrava alguma tristeza, mas ainda assim, lindo.
A calça remendada além de ser um indicativo de dificuldades financeiras era, acima de tudo, a informação que eu estava diante de uma pessoa simples e humilde.
Uma enorme sensação de ternura percorreu meu peito. Senti vontade de abraça-lo fortemente. Contive-me. Apenas o cumprimentei a distância.
Antes ouvi um ôôô. E os animais pararam. Secou o suor da face, ergueu a cabeça, meio desconfiado retribuiu com um baixíssimo “opa”.
Na fração de segundo em que esperei para me apresentar, ouvi o barulho de águas. Depois soube que logo abaixo em meio a mata corria um límpido riacho.
No final do dia mergulhei em suas águas cristalinas e meio frias. De dentro dele se tinha o privilégio de contemplar enormes árvores que avançavam seus galhos sobre o rio.
Onde tinha árvores frutíferas percebi que se formavam cardumes de peixes para esperar as frutas que caia e serviam de alimento.
Ali, o ar era muito puro, leve e agradável.
Percebi, nas margens, vestígios da presença humana, mas ainda assim tudo muito preservado. Moradores da região vinham a noite tentar pescar alguns distraídos jundias. Pelos pequenos detalhes percebe-se que havia sim a preocupação com a preservação ambiental.
Desculpem por fugir do assunto. Eu precisava distrair minha emoção. Só por isso antecipei estes detalhes lindos do rio Jacuí.
Diante daquele homem de traços de lutas e trabalhos estampados no rosto eu me senti um privilegiado por viver na cidade com outra família. Deveria ser muito penoso enfrentar o dia a dia desta forma.
Mas não vim até ele para voltar sem o objetivo estabelecido amplamente superado. Era preciso falar.
Olhei nos seus olhos claros cobertos por sobrancelhas enormes. Busquei em mim uma injeção de adrenalina e coragem. Olhei meus pés já marcados pela terra, respirei fundo e deixei o cheiro mágico da terra lavrada adentrar a alma.
Que esquina a vida me coloca... Pensei.
Senti que não conseguiria me pronunciar, meus olhos me denunciaram. Minha fragilidade inundou a lavoura. Ceguei por um momento.
Por sorte nada precisei dizer, Deus me poupou. Senti um abraço carinhoso enquanto escutava a frase que eu mais esperei até então:
- É você meu filho?