MERITOCRACIA
Sete passos: e vejo-me tão distante quanto a felicidade haverá no mundo. Ocupo-me então de mirar a quem lá perto está. Ossos do ofício: nasci humano demais.
Seis passos: e não é que o meu jeito, humaníssima revelia, pôs-me um passo adiante? E olha que nem tão severo fui. Mas valeu o lapso, a descompostura e a tríade do nefasto – o qual, deste último, ainda nem usei.
Cinco passos: certamente o da frente teve medo do bocado desavisado que o anterior enfrentou, pois que olhou-me de um jeito comiserado, abaixou a cabeça e cedeu-me o lugar. Fato é que estou adiante.
Quatro passos: gente de vasta idade, mais fácil do que o desrespeito ensinado às novas gerações. Quem não tem uma avó que agrada? Passei por cima, as décadas nem perceberam; fiquei-me à frente, os séculos nem reclamaram. O que há no sobrolho? Sim, um pé além.
Três passos: tiro certeiro, alvo próximo. E quem não acreditou em mim? – aquele abraço! Rio dos fracos, mas o mar é para os fortes! Tamo junto! Aos amigos de verdade – quem é sabe – é nóis! Mandaram-me estudar, e aprendi só a gramática, a qual não uso para nada. O resto é muito suor e trabalho. Suei demais! E deu um trabalho doido que só chegar até aqui. Falta pouco. Conta aí...
Dois passos: aqui a coisa pira! Muita calma nessa hora. Muito jeito com a coisa; pode haver gente pesada envolvida, pode haver desamor inclusive entre os meus. Há muita coisa em jogo, é preciso me armar até os dentes, lançar uma revista com as cores do meu sorriso e gente séria que assina, status não basta, é preciso ter virtudes. Ser humano além da conta... O que fica é o que conta, nénão?
Um passo: ‘o mundo é para quem conquistá-lo, e não para quem pensa que pode conquistá-lo’, falou Pessoa. Mais ou menos disse isso. Literatura agora é só na memória, interpreto o mundo como eu quero. Já deixei crianças, velhinhos, amigos, irmãos, e fiz degraus do meu caminho. Planejei um jeito de viver sozinho. Interpreto o mundo do meu jeito.
O topo: olhar para baixo é um deslumbre. Só não vê quem não pode! A Terra é redonda, só não sabe quem não quer. Importa como aqui cheguei, se quem me vê, vê como alguém que chegou – e está – e apenas? Pois bem, mérito à parte: fugi da modéstia. Chore por mim agora, e veja como sou feliz nas fotos que posto no Instagram.