EM ESTADO DE OBSERVAÇÃO
Cá entre nós: se o que lhe põem é medo, faço de mim o também medroso.
Não por amor, mas a vivência. Se a sociedade é minha, faço-a sua também.
Nem tenho para tanto, poder. Mas posso querer o que quer você, e tantos: quer? então pode! Aos poucos a vida pouca, ao todo o tempo todo, não muito querendo muito, e aos todos há de mudar: dei minha mão a você e a sua outra mão ao outro que pegou a mão de mais um que agarrou a palma do outro e assim, somados, aglomeramos corrente, de mais laços do que possibilidades: e quero ver agora, com as mãos tão laçadas quem desfere o tapa na gente.
Antecipar a vítima é lambuzado de ódio. Oferecer motivo é provocar, e provocar sem dar motivo para continuar coloca-se em estrabismo: quando do amor, provocar e parar é maldade; se na vida, provocar e continuar é linchamento. A película que separa o amor da vida é da mesma curva que coloca paixão no ódio.
Porém, falaremos no singular depois, o que vale agora é o coletivo: não precisarei massacrar o outro quando, de fato, se me sugere que tenho medo de mim.
Cá entre nós: quando se destroça a cabeça de alguém a pauladas, sinal vem de que não funcionamos direito. E no fundo do pé-de-ouvido todos têm opinião forçada do assunto, todos colocam-se em posição: sem querer perceber, formamos barricadas, sem querer perceber, encontramo-nos em guerra.
Cá entre nós: qual a guerra que vale mesmo a pena?
Colocaram em cada um de nós uma estrela chocha. Função então de cada um: torná-la o brilho. Encaixa na mesma manobra que fez da honra uma luz emanada durante os impérios e depois entre medievais. Honra – por relevância – é a luz recebida. Não se envia luz pela honra: honra é recebê-la! Pois aqui o singular não existe, o que de fato é coletivo.
E como a honra se figura? Na roupa que não cobre? Na fé que não se paga? Na voz que politiza em alienado? No grito que se dá? No pé que não passou pela cozinha?
Como a honra nos desfaz – isso eu sei – mas como ela se figura? Pois que a luz, a ser cuspida, incomodará. Não, nem se trata de inveja ou de suas adjacências. Incomoda porque a luz não ofusca, o brilho tampouco, incomoda porque todas as luzes, luz de cada um, pertence à estrela que colocaram em cada um de nós.
O que há nas mãos de quem, pautado no não-motivo, destroça um porrete na cabeça do outro? Caso o porrete, a marreta, a madeira, sejam a causa, precisamos rever a filosofia. Caso o escudo mais adversário na camisa do outro se tenha como motivo, precisamos rever a natureza. Caso o fato esteja em nós, então precisamos apagar as estrelas.
A começar pela nossa.
Importará então que o brilho da luz da estrela que em nós colocamos seja então o brilho de fato que colocam em nós.
Ter um mau amigo não é em exato o mesmo que ter um amigo mal. Nem sempre quando ‘A’ está para ‘B’, ‘B’ está para ‘A’.
Porém, em todas as guerras ‘A’ quer eliminar ‘B’, e, inconscientemente – ou não – morará em ‘B’ um desejo de extinguir ‘A’. Pulverizar. Arrasar. Destroçar. ‘A’ é o motivo da guerra, ‘B’ é o motivo do ódio.
Observamos os amigos como tais. Amizade não se impõe – há! E apenas há! Amizade é assim, poucas condições de quem somos como queremos importa, importa como somos, queiram ou não, importa como nos querem.
Estrelas nasceram para brilhar: mas a nossa moral sempre impôs: não há céu pra todos. Como faremos, senão, concordar?
Desalinhe o inimigo das suas idéias: desconfiar do próximo como a um mal, significa que o mal também mora em você: e com todas as possibilidades.
Caso as nossas mãos se deem, haverá mais laços, menos possibilidades. Cada um faz como quer, se nós dermos condições, cada um será por si o que por si merece ser.
Ao resto, não basta delegar à fé. Fé com fé não se paga.
Cá entre nós, essa guerra a quem importa?
(set/97)