Difícil de entender
Sou nordestino, cabra da peste, sim senhor! Não desprezo a oportunidade de falar do meu saudoso rincão. O Nordeste brasileiro ocupa cerca de trinta por cento do território nacional e é povoado por pessoas honestas e trabalhadoras. Excetuam-se os que militam na política e que cedo aprendem a roubar em virtude da índole criminosa geneticamente herdada de seus genitores ou aprendida no convívio com seus pares, egressos de todos os Estados da federação.
Lembro-me do bate-papo mantido com conterrâneos da zona rural, matutos humildes e sem malícia que revelam ausência de conhecimento, traquejo social, timidez e desenvoltura verbal. Eles não tiveram oportunidade de estudar e de aprender a gramática do idioma pátrio, que lhes permitiria eloquência no falar. Esses meus parceiros coloquiais vinham à cidade nos dias de feira-livre, fazer suas compras e encontrar-se com seus “amigos de prosa”.
Conheci de perto a cultura, angústias e aspirações dessa gente sofredora, sem vaidade e de limitados conhecimentos, que se expressa em linguajar com sotaque regional, forçando o interlocutor a buscar uma tradução que o faça entender os termos usados, desconhecidos do português falado em outras partes do país.
Paulistanos, cariocas, catarinenses e gaúchos também usam expressões que às vezes deixam a pessoa que participa da conversa sem entendê-los. No caso nordestino, com pequenas diferenças entre os nove estados da região, existe um dialeto semântico-lexical digno de nota.
Algumas das palavras a seguir descritas foram pronunciadas no filme "Cine Holliúdy", de Halder Gomes, uma comédia que retrata o típico linguajar nordestino nos estados do Ceará, Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte, principalmente. “Pequeno” significa cotoco; “uma pessoa alta” é galalau; “franzino” e xôxo são a mesma coisa; “ruim” quer dizer peba; “rir dos outros” é mangar; “bobo” é leso; “torto”, troncho; “dinheiro” é conhecido por bufunfa, enquanto vôte traduz-se por espanto. Não fica por aqui o vocabulário nordestino. É tão vasto que seria capaz, quando aplicado, de deixar o brasileiro de outras regiões na ignorância.
A língua portuguesa é assim mesmo, difícil de aprender e entender. Algumas palavras de significado semelhante à outra pode ser usada em seu lugar sem alterar o significado da sentença. Expressões usadas em Portugal diferem das conhecidas aqui na terrinha. Em conversa com um lusitano, o leitor poderia ficar sem entendê-lo corretamente ou interpretá-lo de forma maldosa. Se alguém lhe chamar de “paneleiro”, estará dizendo que você é homossexual; mandando-lhe entrar na “bicha”, sugere-lhe a fila, bastante conhecida dos brasileiros em estabelecimentos bancários e em postos do INSS. Se um médico português mandar aplicar-lhe uma “pica”, não receie, pois, se você estiver doente, precisará da injeção receitada pelo doutor. Após caminhar pelas ruas milenares de Lisboa, sentindo fome, coma uma “carcaça”, excelente pão francês; não sei se aceitaria um “cacetinho”, como também é chamado o apetitoso pãozinho na terra de Camões.
Caso o leitor viaje a Portugal, estando doente, poderá necessitar de uma boa “pica”, embora receie enfrentar uma “bicha” enorme no Pronto Socorro local. Tudo para seu próprio bem. Pretendendo viajar com a “rapariga” e o “puto”, seus estimados filhos, não deixe de levá-los ao Oceanário de Lisboa.
A língua portuguesa é mesmo uma das mais difíceis do mundo. Até para nós. O português praticado no Brasil contempla palavras com vários significados. Veja o que aconteceu em um Congresso de ortopedia, realizado em Fortaleza: A recepcionista atendeu um cidadão africano, que tem a língua portuguesa como idioma. Feita a inscrição, o congressista perguntou-lhe qual a sala do evento. A mocinha respondeu que era a sala “meia oito”. O africano pediu para ela escrever o número, pois não havia entendido corretamente. Daí em diante, estabeleceu-se o seguinte diálogo:
– O senhor não sabe que “meia oito” é 68?
– Agora, entendi. “meia” é seis.
– Só mais uma informação – disse a gentil recepcionista: A organização do Congresso cobra uma taxa para quem quiser o material didático, inclusive DVD, apostilas etc.
– Quanto tenho de pagar por esse material?
– Dez reais. Mas estrangeiros e estudantes pagam apenas “meia”.
– Que bom! Aí estão seis reais.
– Não, o senhor paga apenas “meia”. Cinco reais.
– Meia, então é cinco?
– Não vá perder a palestra, que começa às nove e meia – disse a moça, advertindo-o.
– Então já deve ter começado há quinze minutos, pois já são nove e vinte.
– Ainda faltam dez minutos. A palestra só começa às nove e “meia”, como já lhe informei.
– Pensei que fosse às 09:05, pois “meia” não é cinco?
– Nove e meia escreve-se assim: 9:30.
– Entendi. “meia” é trinta.
– O senhor já está hospedado em algum hotel?
– Estou na casa de um amigo. No Trinta Bocas.
– Não existe Trinta Bocas em Fortaleza, senhor. Não seria Seis Bocas?
– Isso mesmo, no bairro “Meia” Boca.
– Não é “Meia Boca”, pois se trata de um bairro nobre da cidade.
– Terminou senhorita? – perguntou o cidadão africano, ansioso para encerrar aquelas explicações confusas e irritantes.
O congressista pegou o material didático que comprara e dirigiu-se à sala da reunião. A recepcionista, vendo-o distanciar-se, verificou que o homem calçava sandálias tipo havaianas. Apressada, gritou:
– Senhor, Senhor, não pode entrar de sandálias. É preciso usar meia e sapato.
O homem jogou para o alto o material que lhe fora fornecido. Estava prestes a sofrer um colapso nervoso. Antes de deixar o edifício, ouviu pelo alto-falante uma voz que dizia:
– Atenção, senhores congressistas. O evento começa agora, às nove e meia. Não percam!
A língua portuguesa é mesmo difícil!