ONDE ESSE MUNDO VAI PARAR?
A novela do meu tempo é a verdade que não pude viver. Incompetência? Falta de tempo mesmo. Não de minha parte, mas o tempo: quem me colocou no Século 21, se trago as melhores saudades colocadas justamente no passado que não me viu?
O certo é o certo, errado é errado. Quem não sabe isso? E por acaso, quem não sabe que o certo é exatamente aquilo que sei, aquilo que aprendi, os símbolos que criei, as realidades que me esconderam e o fato de que já tenho feita a cabeça? Mudar-me agora, na altura dos anos, é exigir demais, não acha?
Niilismo à parte, prosélitos nenhuns me farão concordar com o que é errado! Bem sei o que sou, o que quero, entendo da alma humana, faço profundos os meus votos de protesto quando me impõem as verdades que são verdades coisa nenhuma: o certo é certo; errado, errado: fato posto, não tem volta!
Quererão o que mais, agora? Que as folhas da floresta mudem de cor? Que os peixes voem? Que a cobra caminhe em pé? Que mais quererão? Darão nome de quadrado às esferas? Farão azul do amarelo? Quando houver calor, que se use agasalho? Que mais quererão? Pedras que falem? Dias à noite? A zebra carnívora acossando o leão vegetariano? Que mais eles querem, afinal?
Já até imagino: logo falarão que todos são iguais. Já até imagino: logo indicarão que eu me preocupe com a sede de quem quer. Já até imagino: logo farão que eu sinta culpa por ser quem sou: alguém de bem!
Criei os filhos – três! Dei virtude e valores. Ensinei, passo a passo, como conquistarem o mundo. Lugar de destaque? – nasceram para tal! Nenhum descambou para as drogas, certeza que sei. Mostrei que a herança, a qual lhes caberá, suficiente é para evitar as más fugas. Óbvio que entenderam. Para que desconfiar disso? Dei virtude e valores, cada qual aprendeu com fé! Nenhum se desviou na sexualidade, fato que é fato: mau exemplo não houve. Quem, de algum lugar da família, mostrou-se equivocado à revelia, na família não ficou. Portanto, mau exemplo não há. Criei nas cores corretas, nas roupas corretas, nos brinquedos corretos. Criei menino como menino, menina como menina, e hoje estão aí: o orgulho da família!
Nasci no tempo errado: tivesse ficado umas décadas dantes e desaparecido na última metade do Século 20! Mas caí no Vinte e Um! Hoje, tudo é generalizado. O computador, perfeito para dar lucro, mas dá só pornografia! Tudo é generalizado. O brasileiro, no melhor espaço natural, mas só tem bandido! Tudo, generalizado. A TV, que é pra divertir, só impõe maus costumes. Generalizado. As mulheres não se dão mais ao respeito. Genérico: todo mundo tem coisas do jeito fácil, ninguém quer trabalhar! Que saudade dos velhos tempos! Que pena não tê-los conhecido!
Como explicarei aos meus netos essa loucura que o mundo virou? Como mostremos às nossas crianças que o arco-íris apenas vale à pena se mesmo houver uma arca de ouro em sua saída? Como podemos aceitar que crianças desafiem os costumes, aceitem os erros? Sabe o que ontem vi na vizinhança? Crianças brincando de liberdade! O que menos assusta? Onde o mundo vai parar?
Querem inverter a natureza das coisas? Querem manipular os nossos ideais? Querem que acreditemos: a onipresença não é real! Querem que interrompamos a verdade com mentiras.
Eu não sou contra que cada um faça o que quer (desde que não faça como eu não quero).
Eu não sou contra a liberdade (desde que o costume não se atrapalhe com a liberdade de ninguém).
Eu não sou contra o amor (desde que o amor se atenha à maçã do barro e da costela).
Eu não sou contra que saibam das minhas opiniões (desde que não saibam o que eu digo entre parênteses).
Sabe o que me incomodou de fato? Sabe o que ocorreu para me tirar o bronze do fim de semana? A telenovela: sim, ela, a telenovela! Coloca uma cena inaceitável. Como pode? Não, não sou reacionário. Não, não sou conservador. Caso você tenha se identificado com toda a passagem acima, saiba que não tolero colocar a minha fala entre parênteses. Sou todo liberdade: a minha e a dos outros. Comportamento é uma coisa, natureza é outra. Saiba sempre: as pedras não choram! Discordo veemente do eu que criei acima. Parei por aqui: a ironia não cola.
Então, vamos à cena que me choca?
A menina tenta fugir da penitenciária. Eletrocuta-se na cerca. Com a cerca ainda energizada e com o corpo nela preso, pessoas vão lá tirá-la, com as mãos, e os pés fincados em chão firme. A física dos elétrons avisa: isso é impossível! Todos os corpos humanos ali, em contato, igualmente torrariam. Falaram em alta tensão. Média, talvez. Importa: era o suficiente. Estou indignado!
Onde esse mundo vai parar?