O som do silencio
O espumante espalhado pelo chão molhava a ponta dos pés, do corpo que estava estendido em meio ao quarto bagunçado. A janela, entreaberta permitia que a chuva tocasse os papeis rasurados em cima da mesa.
Molhando palavras sobre o amor, alguma coisa sobre a dor. Lavando o que o silencio escreveu, como a pessoa não conseguiu fazer. Limpando os sentimentos que estes estavam sujos.
O vento que rompia a cortina fazia dispersar o odor, da vida, da morte e do sexo casual. O toca discos não conseguia seguir para a próxima musica, ficava repetindo o verso riscado do “LP”, em forma de um blues lento e dramático. Assim como muitos pensamentos antes de transpor a porta do quarto, riscavam a mente de forma repetitiva.
A marca de dedos no espelho, as roupas amassadas em cima da cama, a meia luz deixando um clima intimo e tenso. Um som destoa o equilíbrio do ambiente, sutilmente uma voz rouca canta versos, de maneira imperceptível a outros corações.
Seus pés moviam-se de forma firme e lenta, em direção ao corpo estendido no chão. Os dedos ásperos pressionavam o dorso e as coxas, quase que rasgando a pele como seda. Deixando suspenso no ar um amontoado de sentimentos, jogando de forma brusca sob a cama e em um gesto impensado de desapego carnal.
Os olhos despertam, enquanto a boca lentamente desfere um beijo, que como arma abate qualquer reação desnecessária. Alguns silêncios são mais intensos que qualquer palavra, falam muito mais que algumas paginas rabiscadas. Alguns silêncios rompem o espaço, preenchem o vazio deixado, completam um olhar.
Alguns silêncios rompem a noite e falam por si só. Alguns silêncios são como um beijo que desafia a vida, como o amor que desafia a morte. Amor que mata e também liberta, que ressuscita em noites frias ou dias quentes.