Desigualdade Explícita

A chuva cai fina e lenta por esses dias, e aparentemente não causa estragos. Mas, com o decorrer das horas, vi através do noticiário agora de manhã, casas inundadas em muitas cidades do país. Vi transtornado, dezenas de barracos serem destruídos e devorados pela imensa cratera. Tantas lágrimas desciam de olhos cansados e desesperançosos, ao presenciarem a fatídica tarde. Muitas famílias perderam o pouco que tinham, e por já estarem calejados com essa situação- que a cada período de chuvas longas passavam- deixaram a casa e sobreviveram. Será que o culpado disso tudo é a chuva? Ou são essas pessoas que constroem suas casas nesses terríveis desfiladeiros? Em absoluto! O único culpado é o governo. Esses ratos do poder, que tecem as suas teias maléficas por todos os cantos, e transitam desenvoltos com os olhos vívidos em busca de benefícios. Os ternos são impecáveis, de grife. Como reis, pisoteam os súditos sem compaixão. Há um distanciamento muito grande entre as mazelas sociais de um povo sofrido e os palácios com tapetes vermelhos, taças pomposas de algum vinho português, champagne francês. A vida, é absolutamente nada perante essas figuras do poder. Trocariam e trocam, qualquer semelhante por centenas de votos.

Nos dias que antecedem as eleições, figuram-se entre as classes C, D e E, com desenvoltura em sorrisos fáceis e abundantes. Abraços calorosos, apertos de mãos, beijos nas têmporas, promessas... A maioria das pessoas cede a tudo isso, e se desmancham nos churrascos pagos, nas cestas básicas, sacos de cimento... Ah, se elas percebessem o quão precioso é o seu voto! Que a escolha cabe a nós e a mais ninguém! Os tempos já não pedem mais essas barganhas descabidas. Temos que ser totalmente rigorosos e seletivos com os políticos, se quisermos serviços de primeira! O que adianta se esbaldar em churrasquinhos, ganhar algumas telhas pra casa e passar os quatro anos consecutivos em filas absurdas nos postos de saúde? O que adianta toda essa hipocrisia no vocábulo e o "teatro" em muitos bairros, se ao sair de casa num belo domingo, correrá o risco de ser assaltado como algo recorrente? O que adianta dentes escancarados- e com certeza tratados nos melhores dentistas- e abraços apertados, se a educação se encolhe pelos cantos e chora às mínguas? Me diz: o que adianta?

Em certo Estado, houve um episódio inacreditável: o governador mandou repassar metade da verba destinada à merenda dos colégios, para acelerar a construção do estádio da copa. Imagine a que ponto é capaz de chegar o ser humano! Eu penso bastante e só vejo uma resposta: mau caráter, que só visa os benefícios futuros e dá as costas aos indivíduos promissores, responsáveis pelo futuro do país. Ao olharmos para a linha do horizonte, não teremos nenhuma chance de avistarmos a face reluzente da esperança. Não haveremos de ver as suas gloriosas mãos construindo as tão sonhadas estradas, que nos levariam a lugares perfeitos. Não podemos mais esperar de maneira utópica, a chegada dessa grandiosíssima Senhora. Vamos arrebentar as correntes que limitam os nossos passos, desobstruir os caminhos de nossa mente, e exigir tudo que temos direito nesses exatos minutos!

Os chamados detentores do poder estão se emaranhando na linha do bom senso, e alimentando as bocas monstruosas do descaso e da indiferença. Vejam bem o quão absurda é a notícia que ontem eu ouvi em um certo jornal: o governo liberará uma verba de 4 bilhões para ajudar as vítimas da chuva- e isso engloba todos os níveis de urgência. Ajuda para a alimentação, para as vestes, para a reconstrução de novos abrigos e assentamento das famílias. Até esse ponto tudo bem, mas existe a temível burocracia. Para a liberação desse montante, calcula -se que haveria de se aguardar em torno de cinco meses, para poder averiguar todas as fontes de recebimento, e assim, evitar o desvio do dinheiro por certos animais, parentes daqueles que cito no começo do texto. Mas a ministra da defesa civil interveio, mudando abruptamente muitos parágrafos do que antes se estabelecia e diminuindo o prazo para 30 dias no máximo. Aí eu me pergunto: será que somos governados por seres inescrupulosos, que vivem em redomas e usam vendas sobre os malditos olhos que se negam a enxergar? Será que seus corpos são desprovidos de sentimentos, e não são ouvidos por vocês os mais intensos lamentos? Será que não percebem que o tempo é escasso e que os supostos riscos de desvio devem ser colocados num plano secundário? Não percebem que há vidas se diluindo entre as águas barrentas, e assim, deixando os rastros e marcas do desespero?

Às minhas vistas, vivemos separados entre dois mundos totalmente desiguais, cuja distância se alonga a cada discorrer dos segundos.

Existe um mundo onde as salas enormes exibem as suas mesas fartas, com talheres que refletem na mais escura noite, os indícios da riqueza oportuna. Há quadros belíssimos feitos por mãos magníficas e mentes geniais, nas esbeltas paredes de alto-relevo. Há janelas enormes no luxuoso cômodo que mostram vistas impecáveis. Os jardins exibem flores graciosas que circundam todo o extenso território. A saúde anda em uma carruagem de ouro, pois aqui, os hospitais estão sempre disponíveis com as portas escancaradas sem quaisquer tipos de transtorno. A água que percorre por estreitos canos e cai abundante em gigantescas caixas, jamais cessa! Não há por aqui, tempos de vacas magras. Não há nuvens cinzentas que pairam sobre indivíduos preocupados com o dia subsequente. Não há lágrimas pelos cantos de simplórios abrigos- que se mantém firmes como rocha- mas que já não abrigam todos e tudo que ali habitava. Essas temeridades não se manifestam nesse real contexto. E há outro mundo separado por uma linha tênue do que descrevi há pouco. Nesse, as salas diminutas, exibem mesas solitárias que suplicam por pedaços de pão. Nas paredes sujas e mofadas, os quadros cedem lugar às traças. As únicas janelas que se encontram, mostram-nos esgotos a céu aberto, cujas águas invadem todas as calçadas, e entram sem pedir licença nos domicílios. Mas as mesmas não caem livremente nas caixas, e conseqüentemente não descem livres pelas torneiras. Nesse ambiente "hostil ", não há quaisquer prioridades. Por aqui, tudo é conseguido aos trancos e barrancos! Sob um céu triste afundado em negridão, a saúde se rasteja imersa no lamaçal. Os hospitais massacram as suas vítimas nos corredores abafados, e desdenham em sorrisos sarcásticos dos infortúnios alheios.

E nesse ínterim, os dias passam normalmente às vistas grossas da classe que detém as rédeas de todo esse mortífero sistema, que mantém a grande massa encarcerada à luz dos seus sagazes olhos. Em seus lamentáveis conceitos, embutidos em um deplorável contexto, tudo está em seus devidos lugares. Nada é tão alarmante assim como se parece. Todos os problemas sociais são acontecimentos que não atingem de maneira intrínseca esses vermes. A nós, basta abandonarmos esses ardilosos e resistentes casulos. Basta-nos, de maneira veemente, cobrarmos de toda essa corja engravatada, melhorias em todas as camadas sociais, e assim, almejarmos noites mais tranquilas em sólidas e seguras casas. E assim, amanhecermos em dias diferentes daqueles cinzentos e desoladores. Respirarmos ares límpidos pelas vastas avenidas, ao andarmos confiantes depois de uma longínqua batalha.

Alexsandro Menegueli Ferreira - 30 de Dezembro de 2013