AH! QUE SAUDADE DA PRAIA GRANDE
Desde o dia em que saí da minha querida São Sebastião para vir fixar residência na Capital de São Paulo e depois em outras cidades periféricas, isso há mais de quarenta e sete anos, falo e escrevo poemas, crônicas, frases e muitos outros textos abordando temas relativos à minha terra natal, a qual não sai do meu coração e memória um só minuto.
Entretanto toda vez que pensava em redigir um tema relacionado à Praia Grande, bairro de São Sebastião onde passei toda infância e a juventude; onde eu realmente vivi e aprendi amar a natureza e o mundo, não conseguia. Sempre os meus olhos começavam lacrimejar, o coração bater mais acelerado e o assunto se perdia ao vento.
Assim os anos se passaram. Ontem, navegando nas minhas páginas no Facebook, achei uma foto postada pela minha amiga Denise Estevalleto, filha do meu amigo querido Jonjoca “in memorian” me enchi de coragem e componho esta modesta crônica. A Praia Grande é o marco zero da minha vida.
Em mil novecentos e cinquenta, época em que eu completaria cinco anos de idade, lá, bem no pé do morro, os meus pais arrendaram uma data de terras com todas as benfeitorias, ou seja: casa de sede, moinhos e equipamentos para moagem de cana de açúcar e fabricação de farinha. Tinha ainda uma casa de empregados, tudo construído de barro e madeira. Fazia parte do arrendamento também alguns pilões, fornos, tanques e poços.
Na realidade era uma antiga fazenda onde os proprietários, provavelmente coronéis ou donos de engenhos e de escravos viveram tempos atrás. A casa grande fazia frente para a estrada principal que terminava a uns quinhentos metros pra frente, na subida do morro que chegava a Pitangueiras (lateral direita da Praia Grande). Dali pra frente só existia a famosa picada da linha do telégrafo, cujo acesso só era possível a pé, de jipe ou a cavalo.
Na Praia Grande eu praticamente aprendi a andar, nadar, pescar, correr, jogar bola, fazer barquinhos de caxeta ou de pita, tecer redes de pesca, confeccionar samburás, peneiras, cestos, balaios e um monte de outros objetos artesanais, além é claro, das minhas violinhas de taquara ou de tábua com fios de nylon de pesca.
Aos sete anos de idade eu já saía com os pescadores para puxar redes, principalmente entre os meses de maio a agosto, tempo da fartura de tainhas e sardinhas. Como eu era muito pequeno ficava numa canoinha junto com os meus irmãos mais velhos, o João e o Nilton esperando o pessoal trazer a rede para bem próximo da praia; então íamos atrás do lanço da rede para ficar no chamado apara, com um puçá catando os peixes menores que escapavam da malha grossa.
Era uma festa e uma alegria muito grande participar dessas pescarias. Houve dias em que eu e os meus irmãos levamos mais de quinze quilos de peixes pra casa. A pesca era muito farta. Vez ou outra quando a rede maior furava, escapavam e vinham cair no nosso puçá tainhas de três a quatro quilos. Outras vezes saíamos para as costeiras ou costões no bairro do Araçá, no Cabelo Gordo, na Toca do Mero pescar peixes de anzol.
Quando eu conto pessoalmente a alguns dos meus amigos que nós os caiçaras tínhamos o hábito de comer sardinha, tainha, anchova, sororoca ou qualquer outro tipo de peixe assado com farinha no café da manhã eles não acreditam. Mas os meus amigos leitores caiçaras que estiverem lendo essa crônica com certeza confirmarão esse fato.
Na Praia Grande era onde tudo acontecia.
Os turistas vinham acampar diretamente na praia (no jundú) ou nos arredores. A abundância de peixes trazia pescadores de todos os bairros do município e de outras cidades.
Muitas festas especiais ou religiosas organizadas pelos figurões da sociedade lá eram realizadas. Inclusive, durante o período em que eu estudei no Grupo Escolar Henrique Botelho, quase todos os anos no dia das crianças (12 de outubro) nós os alunos com autorização do diretor e acompanhado pelos professores também comemorávamos ali, com um grande piquenique, regado a guaraná e sanduíche de mortadela, KKKKK.
Gostou? Era muito bom. Um privilégio e uma bênção de Deus.
Praia Grande é praticamente uma baía. Estando bem no meio da praia, no lado direito vemos a rodovia Rio – Santos (BR 101) onde é a subida do morro. No lado esquerdo a gente vê as costeiras e o morro da Prainha Preta, por aonde chega à Toca do Mero. À frente vê-se o centro da Ilhabela onde a mesma margeia o canal de São Sebastião.
Se não me engano é onde fica a Praia do Portinho. No meio do canal está o farol. Essa paisagem é deslumbrante. (observem bem a foto ilustrativa).
Muitas noites sonhei com esse encanto. Ninguém poderia se distanciar tanto de um lugar tão lindo e abençoado por Deus. Só mesmo as circunstâncias, a minha responsabilidade e tantas obrigações ainda prementes me mantém ainda neste mundo de pedras, asfalto e concreto chamado “Grande São Paulo”.
No quintal da minha casa os pardais, rouxinóis, andorinhas, sabiás, tico-ticos, sanhaços, tiés, corruíras, coleirinhas, andorinhas, anús, pintassilgos e mais uma dezena de outros pássaros faziam sua barulheira agradável ao amanhecer e ao anoitecer, com seus cantos certos sem ensaio.
Enfim, hoje me sinto realizado por ter conseguido passar aos meus caros amigos e leitores a minha idéia do que é ser feliz. O que significa a felicidade. Eu era e sou feliz. Plenamente realizado em todos os sentidos da vida.
Materialmente nada tenho além da minha cultura, meu dom musical e poético e o meu violão. Espiritualmente tenho me desdobrado na aprendizagem e aos poucos me desvencilho de algumas fraquezas e vícios.
Diz-se num adágio popular que “querer é poder”. Todavia, contudo, eu penso que não é bem assim. Entendo que Deus o Nosso Pai Criador nos reserva sempre o melhor. Não é conveniente eu querer e lutar por algo que pode não me ser útil no futuro. Existem milhares de casos em que o cidadão batalhou a vida inteira buscando um só objetivo. Quando o conseguiu dele não pode usufruir.
Amo a minha cidade. Amo de paixão a Praia Grande. Seu eu pudesse escolheria terminar os meus dias encarnados lá naquele lugar. Porém, se Deus precisa de mim e do meu trabalho em outro lugar, basta que eu mantenha o meu coração voltado às minhas origens, sempre agradecendo pelas graças até aqui recebidas.
E por outro lado, se for do consentimento do Pai o meu retorno para lá certamente mais dias menos dias isso acontecerá.
Nota:
As fotos ilustrativas são da autoria de Claudia Rossana Pereira, minha amiga e conterrânea caiçara de São Sebastião.