A LENDA DA SOLIDÃO

A LENDA DA SOLIDÃO

Rangel Alves da Costa*

Era noite, e noite escurecida, chuvosa, mas a aldeia inteira se encheu de sol quando a indiazinha veio ao mundo. Ao primeiro choro e o firmamento se abriu para que o maior dos sóis lançasse seus raios sobre a tribo.

O Velho Cacique, repentinamente apavorado, lançou perguntas aos deuses, porém no instante seguinte já estava ajoelhado agradecendo aquela inesperada visita. E sabia o motivo do surgimento de um sol tão radiante no meio do negrume: o nascimento da indiazinha.

Seus antepassados já anunciavam a visita desse sol assim que nascesse aquela que seria a mais encantadora entre todas as mulheres, mas também a de destino mais triste. Sobre o triste fadário o cacique também conhecia. Contudo, nada podia dizer, sob pena de colocar em perigo toda a existência de seu povo.

Em meio ao choro da indiazinha, o pai e familiares correram pra fora da maloca para admirar aquele sol tão forte e misteriosamente surgido. O cacique chegou e disse que aquele sol assim mais brilhoso que todos era um presente dos deuses para a recém nascida.

“Eis o sol que nos dão. Sol que dão, solidão. E este será o nome da nossa indiazinha. Que seja bem vinda a Solidão”, disse o velho enquanto se afastava para não demonstrar a tristeza crispando sua face.

Desse modo, homenageando o sol em imensidão, Solidão foi o nome escolhido para a mais bela índia da tribo dos Queamarás. E dizem que era tão bela e formosa que certa feita o Velho Cacique teve de interceder junto às forças da natureza para que não derramassem contra o seu povo a maldição do ciúme.

Contudo, o tempo foi passando, a indiazinha Solidão crescendo e ficando cada vez mais bela a cada novo amanhecer. Pássaros, borboletas e animais se acercavam daquela formosa flor para mirar seus encantos. O vento soprava seu cabelo e ao redor se enchia de suave perfume.

Enquanto isso o cacique se embrenhava na mataria para dialogar com as forças da natureza e tentar impedir que o inevitável pudesse acontecer. Sabia que a formosura da Solidão custaria a vida daquele seu povo se ela não fosse expulsa de aldeia e abandonada nas distâncias da floresta do esquecimento.

Já estava escrito quer seria assim. Nem o sol nem a lua, nem as estações nem as horas, aceitaria mais ter aquela índia como objeto de atração e maravilhamento de todos, desde o índio à formiga tucandeira. De forma alguma ela poderia ser vista como mais bonita do que os elementos ao redor.

E a certeza que quanto mais o tempo passasse mais sua beleza ficaria maior, fazia com que a situação do Velho Cacique ficasse insustentável. Todos os dias ele se embrenhava nas matas para pedir aos deuses que evitassem aquela tragédia para o seu povo, pois nenhuma alegria restaria à tribo se a índia Solidão desaparecesse do seu meio.

Mas os deuses nada respondiam. Quando os peixes sumiram do rio e os frutos desapareceram das árvores, então o cacique sentiu que não teria mais jeito. Um dia colocou raspas de sono na água de Solidão e esta nunca mais acordou.

Ao menos perante a tribo que chorou três dias seguidos lamentando a morte prematura de sua mais bela flor. Então o cacique, sabendo que ela tinha momento certo para acordar, cuidou de enviar o seu corpo para um lugar bem distante. Dali ele mesmo cuidou que Solidão chegasse à floresta do esquecimento.

Quando ela acordou achou tudo muito estranho. O seu povo não estava ali, os pássaros e as borboletas não chegavam para festejar sua presença, aquele indiozinho pelo qual se enamorara não aparecia para oferecer uma doce e saborosa fruta do mato. Estava sozinha, completamente sozinha. E quanto mais andava de lado a outro mais se via completamente só.

E assim foi ficando cada vez mais triste, recordando os seus, relembrando seus dias no meio daqueles que tanto amava. Bebia da água que chorava e se alimentava do fruto do pensamento. Esperava ouvir uma voz que nunca chegava. Tudo era silêncio e solidão em Solidão.

Assim diz a lenda sobre essa bela e triste mulher chamada Solidão.

Poeta e cronista

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