OS POBRES TAMBÉM AMAM

Talvez este seja um assunto delicado para uma crônica, mas, como merece especial atenção, vou abordá-lo. Diferentemente de tempos passados, o desenvolvimento avassalador do capitalismo, a ponto de se falar em “democratização do capital”, introduziu novos padrões éticos na sociedade moderna, que é uma sociedade eminentemente de consumo de massa. Pude acompanhar muito diretamente todas as nuances destas transformações, que alteraram substancialmente a taboa de valores humanos. Como já disse alhures, viajar para o estrangeiro já foi uma façanha, hoje é como ir a Livramento, não rende assunto por mais de meia hora. Comprar um carro já foi uma conquista, hoje é rotina para muita gente, sem falar nos veículos para o restante do grupo familiar. Minha família tinha casa na praia, mas nela veraneavam avós, tios, primos, cachorro e papagaio; atualmente, muitos têm casa em Gramado, na praia, no sítio, em Miami, Punta del Este, Santa Catarina, Rio de Janeiro e por aí vai. A crise recente apertou um pouco, alguns exageros foram contidos, mas, a partir de um certo patamar, as mudanças não foram drásticas. Poderia redigir páginas descrevendo comodidades e sofisticações inimagináveis nos anos 60 e que agora são desfrutáveis com naturalidade, diria até com uma certa dose de banalidade e indiferença, uma pena, creio eu. Aliás, determinadas coisas passaram à condição de símbolo de “status” e de felicidade, obrigações para pais e parentes, namorados e maridos. É a sociedade de consumo e do capital cobrando o seu preço e forjando um novo homem. Não pretendo condenar ninguém por aproveitar tudo o que existe de bom ao seu alcance. Longe disto. Eu próprio me adaptei e curto o que há de apreciável no universo das coisas boas, mas sem obsessão ou exagero e jamais sacando contra o futuro. Dentro do meu quadrado. Mas, como dizia aquela moça de um dos nossos primeiros malditos BBBs “cada um com seus probremas”. O que busco assinalar aqui é o comportamento de vários adultos bem aquinhoados, empresários de relativo sucesso, profissionais liberais de notoriedade, políticos e outros “soit-disants” riquinhos ou celebridades da praça, que formam seus círculos de “iguais” e na mesmice dessas rodinhas seletas deleitam-se a esbanjar recursos e a exibir a vaidade transbordante do "ter". É quase uma afronta à sociedade, resquício de vícios culturais e dos "mores" decadentes do Império Romano, onde o abuso, a futilidade, o poder, o vazio existencial e a anestesia ética marcavam presença forte. Arrogante e aflito entardecer como o baile da Ilha Fiscal, a última grande festa do Império, no Rio de Janeiro. E se me convidassem? É claro que eu iria, quem não curte uma boca-livre, com gente bacana. Mas uma ou duas vezes, no máximo: há tantas pessoas interessantes para conhecer e ambientes agradáveis a usufruir, que a seleção “econômica ou política” passa a ser um atraso de vida. Olha, estou quase recitando que a boa vida realmente começa com a libertação dos padrões da economia moderna, como fizeram os hippies dos anos 60 e 70. Com modos, é claro.