Alberto Camus, o homem trágico
Estamos comemorando o centenário de Albert Camus, que faleceu em 1960, num acidente de carro. Numa viagem que nem deveria ter feito: ele e o grande poeta surrealista René Char já haviam comprado passagens de trem, mas seu editor Michel Gallimard insistiu e ele cedeu. Cedeu para morrer. O carro em que iam espatifou-se contra uma árvore. Morreu na hora, tragicamente.
Camus foi um dos mais jovens ganhadores do Prêmio Nobel de Literatura, que geralmente é dado quase “in extremis”, um troféu de consolação. Camus estava no auge da criatividade, tinha 44 anos de idade e a vida inteira pela frente. Infelizmente, três anos depois, tinha também uma árvore pela frente.
Numa maleta estavam os originais de “O primeiro homem”, seu quarto romance. Numa nota, dizia que esse romance deveria permanecer incompleto. Às vezes o destino ajuda a arte, colabora maldosamente com a vontade do escritor.
Camus viveu numa época em que o absurdo era a visão do mundo mais coerente. O absurdo foi tema de vários ensaios dele, o homem absurdo no beco sem saída do mundo. É o tema de seu primeiro romance, “O estrangeiro”. Gestos gratuitos regem a vida do personagem Mersault. Por fim mata um homem e culpa o sol, como se fosse um agente do destino absurdo a comandar seus atos. Absurdo e trágico.
“A peste” é uma alegoria da guerra, que sitiava a humanidade como uma peste inexplicável sitiava a cidade fictícia de Oran, na Argélia. Quer coisa mais absurda que a guerra? E trágica.
Muitos consideram “A peste” o seu grande romance. Outros preferem “O estrangeiro”, com sua linguagem elíptica, frases curtas, diretas, rápidas, lembrando o estilo de Hemingway, mas seria um Hemingway amadurecido filosoficamente. Esse “filosoficamente” é o que dará o tom a “A queda”, seu terceiro grande romance, uma prestação de contas das ideias de sua geração. É a tabula rasa do existencialismo. Fatal, trágico.
“O primeiro homem” é mais despretensioso. Tem a despretensão das grandes obras. É a viagem para Ítaca de Camus, a volta às suas origens. A primeira parte é a busca do pai, e a segunda, do “primeiro homem”, o menino que deu origem a Jacques Cormery, ou ao homem Albert Camus.
Costumo lembrar uma passagem casual desse livro. Parece estar ali por acaso – mas o acaso não quererá dizer muito no pensamento de Camus? Um barbeiro enfurecido passa a navalha na garganta de um cliente. O infeliz sai gritando para o meio da rua, sem perceber a garganta cortada até cair morto. Não é a ética do absurdo? Poderia ser uma visão da ética do nosso tempo, trágica e inconsciente de sua tragicidade.