AVE CÉSAR! OS QUE VÃO MORRER TE SAÚDAM
Quantas semelhanças e quantas diferenças. Na arena do fabuloso Coliseu Romano, havia um público ensandecido por seus gladiadores e quando o infeliz derrotado jazia na areia ensanguentada num último olhar transmitindo triste e mudo pedido de clemência, a multidão impiedosa clamava pelo golpe fatal que o imperador sancionava ou não com um simples gesto, lá de seu luxuoso camarote. Ali o Estado dava o circo já que antes o pão já havia sido fartamente distribuído. O público do Coliseu era o cidadão romano, todo ele, pobre ou rico, misturado num único clamor de diversão, ódio e absoluto desprezo pela vida humana (a dos outros é claro). Durante muitos anos percebi certa semelhança entre o público da arena romana e o dos velhos Estádios de futebol pelo Brasil afora. A mistura das gentes, ricos ou pobres, bonitas ou feias, bocas perfeitas aos berros irados, como também bocas desdentadas, mas todas emitindo o mesmo clamor, não de ódio ou desprezo pela vida, como na opulenta Roma, mas de desabafo e descarrego das ansiedades e frustrações imponderáveis da vida humana. Aqui era a dádiva do circo, baratinho e para todos ainda que o pão, historicamente, sempre fosse negado aos desdentados e magricelos misturados aos ricos e obesos de toda ordem, nas arquibancadas de concreto. Mas veio enfim a Copa do Mundo de 2014 e as arenas que serão os palcos dos pugilatos futebolísticos perderam a semelhança que ainda guardavam com o fabuloso Coliseu romano. Nada de duras arquibancadas de cimento, agora é a vez das cadeiras fofas e coloridas, separando o público pelo poder aquisitivo (preços astronômicos dos ingressos), porém um público selecionado entre os mais e os menos ricos. Nada de magricelos com as bocas desdentadas, escancaradas e afrontando as câmeras televisivas. Estes foram afastados pelos preços dos ingressos e pelo luxo que por si só os espanta e afugenta. E não fosse por esse "pequeno detalhe", ainda que economizassem algum dinheirinho tirando das “bolsas família” que recebem durante alguns meses, como comprariam ingressos? Afinal as quotas de ingressos que sobram depois de atendida a verdadeira classe A, são disputadas pela sub classe A, numa pré-batalha virtual na internet. Pré-batalha esta, que nem de longe comporta, por razões óbvias, os pobres desdentados que devem se contentar, e olhe lá, em assistir seus modernos gladiadores na telinha. E se estes gladiadores modernos nada têm a ver com os do velho Coliseu, pelo contrário, têm grande semelhança com o próprio público, agora seleto, que os aplaude, muito menos serão golpeados. Mas o imperador mesmo continua lá de seu dourado camarote, fazendo aquele tradicional gesto, não para que se dê o golpe fatal no gladiador vencido, mas para que continuem as inúteis e seletas contendas, que continue o circo, porque agora quem aplaude já nem precisa de pão. Os verdadeiros famintos de pão e circo foram alijados dos modernos Coliseus; mas até parece que fora dessas arenas – o novo nome dos estádios - nas telinhas, nas favelas ou nos miseráveis bolsões da miséria, Brasil afora, são eles maltrapilhos e trôpegos gladiadores, clamando por pão e ironicamente fazendo ecoar ainda a eterna saudação latina, antes feita pelos gládios: “ Ave Caesar morituri te salutant”!