Sinestesia

Em um desses mundos quaisquer, a Ironia e a Hipérbole se harmonizavam com palavras. Ele se enfartava de dizeres sarcásticos com seu tom zombador, que contradiziam sua real mensagem. Talvez todo esse seu exagero tenha se originado através do convívio com ela. Já a hipérbole, com toda sua tranquilidade natural, fazia questão de realçar ideias e aumentava cada caso, como se fosse o pior que já tinha ouvido. Ora ou outra, o aumento de significado das inocentes palavras vinha com certo deboche, característica que adquirira de seu amado. Aconteceu que um dia, marcaram de se reunir na casa dela, junto com sua melhor amiga: a Antítese. Infelizmente, sua colega se mostrou paradoxal. Contrariava tudo que a Ironia proferia e as respostas sarcásticas dadas por ele originaram uma gigantesca discussão. A família da Hipérbole presenciava tudo aquilo, mas não demonstrava muito interesse por todo aquele bate-boca. Sua irmã, Catacrese, enrolava delicadamente seus dedos na asa da xícara e observava tudo sem mostrar nenhuma reação. Sua mãe, a Perífrase, lia tranquilamente sonetos do Poetinha. Polissíndeto, seu pai, era o único que se incomodava com a discussão, e logo já estava gritando, e berrando, e brigando, e esbravejando. Depois de tanto desentendimento, o barulho ensurdecedor incomodou a Hipérbole, e como a mais engraçada das metonímias, tomou a mão de seu amado e fugiu para o lugar mais bonito que conhecia. A elipse de pessoas e a tranquilidade do ambiente garantiram um pouco de paz às duas figuras. A Ironia observava o sorriso exagerado da hipérbole. A Hipérbole encarava com admiração a barba de seu afeto, que já se encontrava cheia de pelos de escárnio. E mesmo fugindo à regra universal, ousou lhe dizer: “seus olhos são o mais puro amor”. A Ironia sabia que, pela primeira vez, não havia excesso em suas palavras. E então sorriu, de forma pura e verídica, pois sabia que havia encontrado a mais bela metáfora.