GRANDES VULTOS ANÔNIMOS
Todos conhecemos no curso existencial pessoas extraordinárias - familiares, amigos, colegas ou vizinhos – que, ignorados pelo grande público, foram ícones, heróis, exemplos, ainda que de forma mais íntima, restrita e discreta. E mesmo que apenas por certo período da vida. Pessoas influentes que nunca desfilaram pelo palco da mídia, não foram homenageadas em discursos, não receberam diplomas de cidadão honorário ou placas de bronze: nossos grandes vultos anônimos. Nenhum Vereador achou válido prestar-lhes distinção de qualquer tipo, pois não carreava prestígio ou voto, ainda que vivendo em porta ao lado. A vida é assim mesmo, os nossos verdadeiros campeões, heróis de carne e osso, praticamente nunca frequentaram páginas literárias ou históricas e nem foram objetos de atenções badalativas da grande imprensa. Desde garoto a gente admira um amigo ou amiga por tais e quais qualidades que nos impressionam, seja pela bravura, pela inteligência, pela obstinação, pela capacidade de trabalho, pela criatividade, pela bondade, pelo carisma e assim por diante. Suponho que isto aconteça com todo mundo, senão há um problema sério com o indivíduo ou com o meio em que habita. Há outra razão também para que as pessoas especiais sejam praticamente esquecidas: quando se mudam de cidade, de Estado ou de País. O fator tempo, mais o geográfico, são, portanto, decisivos. Mas, em verdade, existe gente demais neste mundo, ainda que gente de menos para reconhecer valores genuínos.
No meu tempo de Colégio Anchieta, do Velho Anchieta da Rua Duque de Caxias, havia um garoto que usava óculos de grau, meu colega desde o primeiro ano ginasial, que se chamava Miguel José Krob Siqueira, filho único de Bento e Olgair - falecidos há alguns anos - e que foi meu primeiro amigo na escola, vizinho e grande parceiro até o fim do ginásio. Ainda que com Miguel eu tenha disputado o supremo troféu de nossas primeiras paixões amorosas, a inesquecível Nara, nos acertávamos muito bem nos jogos de botão de mesa, fla-flu, dama, dominó, xadrez e, especialmente, nos estudos e debates filosóficos ou literários. Miguel foi, talvez, o sujeito mais inteligente que conheci, quero dizer, o estudante mais talentoso, que marcou sua passagem com estupendas notas no Anchieta, geralmente em primeiro lugar. Pouquíssimas vezes era possível suplantá-lo em desempenho escolar. E assim se comportava com a naturalidade de um Cristiano Ronaldo no futebol. Miguel José, bom caráter e bom amigo, era “fera” em matemática, português, literatura, filosofia ou em qualquer coisa que resolvesse estudar. Depois do ginásio, a vida nos separou: Miguel formou-se em Administração, passou em um concurso para o Banco Central do Brasil e foi morar em São Paulo. Nunca mais nos falamos. Acredito que a coincidência de interesses na primeira grande Musa pode ter influenciado.
Há algum tempo, soube pelo Obituário do Jornal Zero Hora, que, no dia 21 de setembro de 2013, Miguel José faleceu, em São Paulo. Foi uma notícia daquelas que vai doendo lentamente, ao longo dos meses. Era um ícone da nossa turma ginasial e, para mim, uma referência de capital importância na juventude, sobretudo por ser da mesma idade, mesma classe e vizinho. Como registrei, poucos sabem, mas foi uma extraordinário inteligência, talvez um gênio, que marcou época num pequeno espaço de mundo, o que já basta para alçá-lo à condição de personalidade marcante. Ao menos por estes pagos, ninguém lhe dedicou uma palavra especial, como se nunca tivesse existido. Que os nossos ilustres deem-se conta de que, mais cedo ou mais tarde, cairão no buraco negro do esquecimento e muito poucos recordarão seus nomes, hoje festejados, salvo se realmente conseguirem legar expressivos valores de pessoalidade e de espírito. Você aí, do currículo copioso e dos decantados feitos públicos, não tá com toda essa bola, não. O futuro é uma patrola. Procura ser uma pessoa melhor, mostra talento e esforço no campo comum da luta, seja leal e solidário e, quem sabe, algum amigo ainda lhe dedique um texto em honra e glória. Pode não ser grande coisa, mas se um dia minha memória merecer este registro será muito bom. Só não posso dizer que ficarei satisfeito.