Crônica de São Drummond

A “atoniticidade” da cidade de São Drummond ilustrava a surpresa de todos os moradores. Oficiais de justiça começavam a colar papéis em muros e portões, a fim de que todos estivessem cientes da novidade. Mas era bem difícil encontrar quem já não tivesse ouvido a mais recente notícia, já que os rádios e as bocas da região faziam todo o trabalho de disseminação. De qualquer forma, o que acontecera era o seguinte: o prefeito da cidade, já exausto de todo o fardo de seu trabalho, decidira, sem avisar a ninguém, passar todo o final de semana sozinho em uma fazenda distante, para aliviar o estresse de sua rotina. Entretanto, os efeitos de viver apenas na companhia da natureza se mostraram ao cansado homem de forma mais intensa do que pareciam. No começo da manhã de segunda-feira as casas acordavam com os sons da cidade, anunciando a quebra de normalidade daquele dia: o prefeito sancionara uma lei que exigia os moradores da cidade a aproveitarem a vida. Desde então, tornava-se obrigatório a visita ao parque local, no mínimo, três vezes por semana. Leituras, sejam de livros ou textos, deveriam ser realizadas todos os dias, num tempo mínimo de duas e máximo de quatro horas. Assistir o nascer e o pôr do sol, também havia se tornado obrigatório. O tempo para assistir televisão (computadores e celulares ainda não haviam chegado à cidade) foi limitado a trinta minutos diários. E essas foram apenas algumas das exigências que constituíam a lei, dentre tantas outras. A recepção da população foi dividida: alguns mais radicais, abertos a ideias novas, como poetas e tantos outros revolucionários, aprovaram a louca lei. A maioria da população, conservadora, e movida pelo senso comum, se revoltou com essa iniciativa do prefeito. Ainda de tarde, a cidade já se encontrava um caos. Alguns se encontravam nas ruas protestando. Outros quebravam patrimônios da cidade. Poetas e jornalistas escreviam. Religiosos rezavam. Preguiçosos, ainda dormiam. Mas foi então que, no final da tarde, todos pararam suas atividades e começaram a se dirigir ao tribunal da cidade: haviam prendido o primeiro desrespeitador da lei. Aparentemente, um morador havia se negado a ler e perdera o pôr do sol. Então foi preso, e levado ao tribunal, onde toda a população já se dirigia para acompanhar o julgamento. O réu não se demonstrou arrependido de seus atos, tampouco se mostrou contrário a sentença do juiz: dois anos de exclusão, preso em uma casa com jardim, alimentos, cama e livros. Alguns dizem que ao se dirigir ao local de isolamento, o jovem se mostrou feliz. Infelizmente, a iniciativa do prefeito não durou muito tempo. A repercussão do caso atravessou os limites da cidade e, ainda no dia seguinte, a lei foi revogada e o prefeito foi retirado de seu cargo. E foi assim, que através da epifania de um governante, a pacata cidade de São Drummond quebrou seu cotidiano, mesmo que por um dia. Na terça, tudo voltou à normalidade. Mas na cidade, ficou uma história. E no meu papel, ficou um texto.