Preversidade desmedida
Em viagens a Israel, por duas vezes estive em Jerusalém, conhecida por Cidade Sagrada, Cidade Dourada, Cidade da Paz, Cidade de Davi, Cidade Santa, Sião, e por outras denominações históricas que não recordo ou desconheço. Já li boa parcela da Bíblia a seu respeito, entre elas o que disse Jesus, citado pelo evangelista Mateus, no capítulo 23, versículo 37, a saber:
"Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apedrejas os que te foram enviados! Quantas vezes quis eu reunir os teus filhos, como a galinha ajunta os seus pintinhos debaixo das asas, e vós não o quisestes!"
Imaginava já conhecer a história do povo judeu, narrada em livros do Velho Testamento e em literatura secular. Todavia, as leituras e estudos realizados não foram suficientes, como gostaria. As visitas à Terra Prometida, Israel, embora tenham acrescentado muito ao meu saber sobre os hierosolimitanos, ainda não satisfizeram os meus anseios. Nunca me dei por satisfeito. Por isso, tenho buscado conhecê-la mais amiúde.
Recentemente, lendo excelente obra do consagrado historiador inglês Simon Sebag Montefiore, intitulada Jerusalém – A biografia, os meus conhecimentos foram enriquecidos. A sanguinária destruição da Cidade Santa, por Tito, filho do imperador Vespesiano, causou-me tristeza e compaixão pelos judeus submetidos à barbárie romana.
Embora já soubesse de sua destruição, ocorrida no fim de julho do ano 70 de nossa era, como previu Jesus, surpreendi-me com a leitura da violência narrada pelo historiador judeu Flávio Josefo, constante do livro acima mencionado. Flávio Josefo, embora judeu, aliou-se aos romanos, juntamente com o rei Herodes Agripa e sua irmã Berenice, amante de Tito.
A carnificina foi terrível. Milhares de corpos jaziam ao sol, apodrecidos, alguns devorados por cães famintos. Quinhentos judeus foram crucificados por dia, em cruzes espalhadas pelo Monte das Oliveiras e em localidades adjacentes. Entre muitas barbaridades, Tito ordenara que o Templo fosse incendiado.
Em fuga, intentando manter os seus poucos haveres, os judeus engoliam as moedas de que dispunham; seus algozes, perseguindo-os implacavelmente, abriam-lhes as entranhas para saquear a “riqueza” putrefata, existente nos intestinos.
Em trechos transcritos no referido livro, lê-se o que disse Josefo, a respeito da violência que tomou conta de Jerusalém, naquele conflito bélico:
"Nenhuma outra cidade jamais permitiu tanto sofrimento, nem houve outra época que produzisse uma geração mais fértil em perver-sidades do que essa, desde o começo do mundo".
A fome campeava avassaladora. Pessoas famintas invadiam as casas em busca de alimentos. Crianças tomavam a pouca comida das mães, enquanto estas chegavam ao cúmulo de matar os próprios filhos para comer-lhes as carnes cadavéricas, como aconteceu a uma determinada mulher, chamada Maria, que matou e assou o próprio filho para comê-lo. Desesperada, a população comia de tudo: esterco de vacas, couros de calçados e de cintos... A fim de descobrir possíveis alimentos estocados às escondidas, os mais cruéis enfiavam estacas no reto de suas vítimas, forçando-as a revelarem a comida inexistente.
Segundo Flávio Josefo, o general Tito não gostou de seus soldados incendiarem o Templo, embora a tivesse ordenado. Como represália, mandou que fossem castigados, o que não aconteceu. As paixões eram fortes, superando as ordens dos centuriões romanos. A soldadesca romana invadiu o Templo em chamas e degolou os judeus que ali se refugiavam. Dez mil pereceram, amontoados em torno do altar.
O historiador Simon Sebag transcreveu em seu livro o que escrevera Flávio Josefo, a respeito do incêndio que destruiu o Templo de Jerusalém. Peço permissão a Simon para também reproduzir o que dissera o maior escritor do passado:
"O rugido das chamas derramando-se numa grande área mesclava-se aos gemidos das vítimas tombadas e, devido à altura do morro e ao volume da matéria em chamas, era como se toda a cidade ardesse. E o barulho – não se poderia imaginar nada mais ensurdecedor e pavoroso. Havia os gritos de guerra das legiões romanas arrastando tudo pela frente; os uivos dos rebeldes acossados pelas chamas e pelas espadas; a pressa das pessoas que, impossibilitadas de subir, fugiam em pânico apenas para cair nos braços dos inimigos, e os gritos agudos que lançavam ao encontrar o seu destino misturavam-se aos lamentos e prantos. Era como se o morro do Templo fervesse na base, tornando-se uma grande massa flamejante".
O que escrevi baseado na leitura do livro Jerusalém – A biografia, do renomado escritor e historiador inglês, Simon Sebag Montefiore, sobre a destruição do primeiro Templo construído pelo rei Salomão, é uma pequena amostra do rico conteúdo da magnifica obra de Simon, indispensável a quantos desejem como eu, inteirar-se da história de Jerusalém.