BAILE DE COBRAS

Nós que temos alguns quilômetros de estrada, trazemos histórias, feitos, episódios de vida que, apesar de bem interessantes, ao menos ao seu tempo, acabaram esquecidos, inclusive pelos próprios familiares. Grande parte de nossas façanhas tem prazo de validade limitado na memória das pessoas, o que seguidamente me anima a viver mais voltado para o meu mundo, sem maiores exposições, bem discretamente. A exceção justifica a regra. Não raro, a lembrança, de tão débil, fica desfigurada. Recordo o caso daquele alto funcionário que denunciou e combateu uma série safadezas governamentais. Passados os anos, seu nome, tendo sido trazido à baila, alguém perguntou “Não é o Fulano de Tal, que esteve envolvido num escândalo de Governo?”.

Praticamente ninguém lembra, mas no início dos anos 80, num coquetel na casa de grande amigo, fui apresentado a José Antônio Daudt, radialista, jornalista de projeção e político, assassinado anos depois brutalmente, que iria inaugurar, com Mário Ramos, um programa semanal na TV Educativa do Estado, Canal 7, chamado BAILE DE COBRAS, para exibição nas noites de sábado. O Programa era gravado nas quartas-feiras à tarde, se não me engano. O que devo registrar é que, convite aceito, participei por um ano do Baile de Cobras, com o falecido Francisco Machado Carrion Junior, Vinícius Jockyman, Mário Ramos, que fora Prefeito de Caxias do Sul e Secretário Estadual de Turismo, Professora Zilá Totta, que fora Secretária da Educação, e outras muitas personalidades locais. Faço questão do registro, porque era um programa bem nosso, com gente daqui, sem muito alarde e com audiência mínima. Creio inexistirem arquivos disto e estou certo de que uma parte dos meus amigos não sabe destas atividades e a outra parte não recorda. É normal, faz muito tempo, o Programa não foi líder de IBOPE - o que certamente ninguém almejou - mas para mim foi relevante e merece lembrança. Obviamente, não rendia um centavo aos participantes, mas havia certo segmento que o apreciava pelo interesse das discussões com gente da nossa própria comunidade, independentemente das estrelas badaladas das grandes potências. Mal ou bem, acredito ter ajudado a prestar um serviço público, numa época em que eu acreditava que tais aparições poderiam gerar efeitos político-culturais de alguma significação e durabilidade. Eram primórdios dos anos 80. Mas o passar do tempo é uma patrola sobre a memória das pessoas. A vida é assim mesmo: eu imaginava que o Programa Flávio Cavalcanti seria, por exemplo, inesquecível, tal sua força de penetração, mas nada disto. Dentro de alguns anos, o Programa do Jô não passará também de arquivo histórico da televisão, com ou sem razão. Tudo bem, mas, enquanto puder, vou andarilhar por aqui ou alhures, buscando resgatar certas coisas que se diluíram nas brumas do tempo. Preconizam que não pode o Estado possuir uma Rádio ou Emissora de TV. Ora, é só ajustar um modelo institucional em que sejam autossustentáveis e geridas por Conselho equilibrado, vedado o uso político. Escopo primordialmente educativo. Não funciona? E nas emissoras privadas funciona, não tem uso político, além de outros interesses? Enfim, aquele nosso "programinha" semanal, precário é verdade, produziu eventualmente efeito mais consistente e efetivo do que muita porcaria das redes comerciais. Com a crescente pujança da internet, este falso dilema estatal x privado (concessão) praticamente deveria terminar. Mas, opiniões à parte, vale a recordação de algumas iniciativas não comerciais, que também se agregam ao patrimônio cultural do Estado, que resulta do somatório de todas as boas iniciativas.