O FILME 'A CHAVE DE SARAH, O ESTADO FRANCÊS E O NAZISMO

Assisti, em 21 de agosto do ano passado, a um filme chamado, no original, “Elle s’appellait Sarah”, traduzido aqui como “A Chave de Sarah”. O filme é muito bom, apesar de não ser realmente um filmão, e tem por pano de fundo a perseguição aos judeus que o próprio Governo Francês, a República de Vichy do Marechal Pétain, empreendeu, por conta e risco, a começar pelo episódio do encarceramento de 13.000 judeus - velhos, mulheres e crianças - no Velódromo de Inverno de Paris, conhecido por Vél d’Hiv, na noite de 16 de julho de 1942. Alguns consideram o filme como denúncia tímida de situação histórica que demandaria mais rigor no julgar. A menina Sarah foi uma das vítimas da brutalidade, assim como seus pais. Bem, mais de 76.000 judeus foram aprisionados ou deportados pelo Governo francês, inclusive judeus franceses, manchando de negro a história brilhante da França, que também foi brava na Resistência ao Nazismo, sob comando do General De Gaulle, exilado no Reino Unido. Honestamente, eu desconhecia detalhes escabrosos do colaboracionismo francês e da covardia daquela prisão no Vél d’Hiv e fui pesquisar sobre a reação posterior da França, à procura de paz de espírito. Descobri que o Presidente socialista François Mitterand costumava dizer que a França não devia desculpas, pois a verdadeira França não era aquela ocupada, mas a do exílio, comandada por De Gaulle. Achei isto um descarado sofisma. O próprio filme informa que o Presidente conservador Jacques Chirac, em 16 de julho de1995, reconheceu publicamente, pela primeira vez, a responsabilidade do Estado francês na entrega de perseguidos pelo regime à Alemanha nazista. Sim, a França, Pátria dos Iluministas e dos Direitos do Homem e do Cidadão, cometera o desatino maior da perseguição racial. Mas foi só recentemente que o atual Presidente socialista, François Hollande, reconheceu, numa homenagem aos judeus deportados para a Alemanha, que “Esses crimes foram cometidos em França, pela França”, assumindo cristalinamente a culpabilidade. Em face de tanta demora para que o Estado francês reconhecesse o crime e pedisse desculpas, escrevi para meu amigo parisiense Gérard Bony, mostrando a minha indignação para ele, que é uma pessoa culta e um humanista, mas exaltado patriota. Palavra daqui e dali, às vezes com certa rispidez, meu amigo acabou aceitando o inevitável e indiscutível, mas até sobre a escravatura e o problema dos índios no Brasil, este meu velho parceiro de grandes ideais pela transformação do mundo, fez candentes colocações, que eu devo ter esclarecido bem, quero crer. É complicada esta questão da culpa coletiva, da culpa nacional, que lida com interesses, sentimentos e conveniências internos e humanitários - de dimensão universal.