CHORA MÃE DA LUA, CHORA...

CHORA MÃE DA LUA, CHORA...

Rangel Alves da Costa*

Urutau, ave fantasma, chora mãe da lua, chora. Kúa-kúa, Uruvati, chora mãe da lua, chora...

Ayayamama, criança chorona, desgarrada do peito de sua mãe e por ela, nas noites mais escurecidas e entristecidas, clamando vela. Ave criança, na selva abandonada, chora no seu voo triste, desesperançada.

Nyctibius griseus, olhos de fogueira são os olhos seus, imensos e medonhos, fujo em correria se miram os olhos meus. Fogo na retina, cruel assassina, sem jamais ferir, mas cumprindo a sina.

Mãe da lua, triste mãe, senhora do medo e da aflição, ave de cruel coração, um espírito de maldição a provocar perdição, voando nas noitadas, no meio da escuridão, pousando nas cumeeiras e mirando a desolação.

Espírito da noite, pássaro encantado, morou no paraíso e lá foi rejeitado, vagando pelo mundo como amaldiçoado, só porque um canto em meio ao silêncio, só porque acordou o ninho abençoado.

Amiga da noite, ave chegando com açoite; amiga da escuridão, alma penada ao desvão; mensageira da dor, cada pior é um terror; penugem de mortalha, no bico uma navalha; se é a mãe da lua cheira a carne crua.

Apague a vela, feche bem a cancela; encubra o telhado, faça tudo silenciado; se uma brecha restar e aquele olho de fogo mirar, haverá choro e dor, a morte logo virá. O pássaro esvoaçante chegou num rompante, traz a tristeza adiante, traz agonia cantante.

Mãe da lua não venha; mãe da lua jamais apareça. Precisa fechar a porta antes que anoiteça, precisa fugir do seu canto antes que ele estremeça, pois o corpo fragiliza desde os pés à cabeça.

O cacique chama a lua e implora piedade, pede que sua mãe não traga tanta maldade, que não comece a voar depois do cair da tarde, pois a tribo entristece e quer morrer de verdade.

Mas a mãe da lua chora, pois seu choro é incontido, e traz consigo esse canto desde muito prometido, para pagar um pecado que um dia foi cometido. Cantou quando devia calar, e viu seu canto se transformar, e o que era uma canção tornou-se um agonizar.

Cor acinzentada, temerosa, pressagiadora do pior. Talvez seja até do melhor, mas ainda assim é rejeitada, ferida, açoitada, para não ouvir o seu canto rouco e lamentoso qual canto tão desgostoso.

Má sorte, azar, mãe da lua vai chorar. O choro da mãe da lua, no negrume debaixo da lua, faz o cristão arrepiar, a meninada amedrontar, coisa ruim acontecerá. De língua e boca passada, uma maldita na jornada, ave assim excomungada.

Mas ave que já pagou o pecado cometido, que já sofreu nas suas penas o açoite mais sofrido, já foi jurada de tudo e todo mal lhe concebido, sem poder cantar alegre e tudo ser esquecido.

Por isso a mãe da lua chora. Então chora mãe da lua, chora. A incompreensão vigora na sua sina de solidão, escondida por trás do clarão, só ouvem o canto agourento, jamais o bondoso e fiel coração.

O canto distante, um canto ecoado, não se vê a ave, só o seu trinado. Logo se imagina que a maldição descortina, pois canto maldito, uma cantiga ferina, como uma sentença que o seu eco assina.

O vento que sopra vem trazendo um canto, cantiga desencanto, voz de dor e pranto. É a mãe da lua, é a mãe da noite, é a mãe do mal, mensageira da morte, do instante fatal, mas só quer o seu ninho, um repouso afinal.

E um dia a mãe da lua prometeu a si mesma tudo isso mudar. Ficou em silêncio e não quis mais cantar. Mas a tribo estranhou esse silenciar e implorou para ouvir aquele triste ecoar. E ela cantou tão triste que de tristeza chorou, e sumiu pela noite levando a sua dor.

Dizem que morreu, dizem que viveu. Mas há um choro na noite, e um canto tão triste que ninguém jamais esqueceu. É a mão da lua, ou o que dela se concebeu. Um canto chorado, lamento que é meu e seu.

Poeta e cronista

blograngel-sertao.blogspot.com