Murmúrios de Uma Árvore
Sou uma árvore. Nem sempre fui assim. Já fui um homem de carne e osso. Mas agora eu sou uma árvore. Não sei direito como aconteceu. Certa noite, ou melhor, madrugada, eu estava perambulando pela rua, vindo de uma festa que tinha sido um saco. Eu estava ali para fugir da minha mulher, não aguentava mais as nossas brigas e as reclamações dela –que hoje vejo que eram justas- a maioria por causa de nossas crescentes dívidas. Meu salário não estava sendo suficiente para nos manter e já tínhamos nosso segundo filho pronto para despontar. Sei que não foi certo, sair à noite e deixar minha mulher e meu primogênito sozinhos em casa, mesmo assim, eu fui. Bebi, curti, fiquei com outras mulheres, mas quando a festa estava no auge me bateu uma tremenda melancolia. Senti-me mal por estar fazendo aquilo com a mulher a quem prometi ficar até que a morte separasse, na alegria e na tristeza, na riqueza e na pobreza, etc. Saí imediatamente e fui caminhar de volta para casa, mas quando cheguei nesta esquina em que me encontro agora, resolvi parar um pouco para pensar na vida, me sentei e pronto. Nunca mais me levantei. Criei raízes imediatamente e quando dei por mim já era uma árvore. Não tenho olhos nem ouvidos, mas posso ver e ouvir tudo o que acontece ao meu redor, mais até do que quando era humano. Este passou a ser meu maior consolo. Não posso me mexer, a não ser quando vêm um vento forte e balança meus galhos, arranca algumas de minhas folhas, é divertido até. No começo foi chato, ter que ficar parado no mesmo lugar, ver os dias nascerem e morrerem infinitas vezes, mas sabe que até não é tão ruim assim, só os cachorros que me usam como urinol são insuportáveis, mas a companhia dos pássaros os compensa. De vez em quando aparece alguém de bom coração para conversar comigo, me pedir conselhos, embora eu não possa os responder, obviamente. Já vi muita coisa acontecer nas minhas sombras e tenho histórias para mais de mil livros, apesar de não poder escrevê-las. Queria ao menos poder falar para contar a alguém, mas isso é impossível, até porque se alguém parasse para ouvir o que uma árvore tem a dizer iriam julgá-lo maluco, não iriam?