TERCEIRA IDADE
Aos 60 anos, pelo Estatuto, você é alçado à condição de idoso, mas, para usufruir da gratuidade do transporte coletivo urbano, só aos 65. A aposentadoria compulsória na atividade pública só nos degola aos 70, idade em que, também, o advogado é jubilado pela OAB e não paga mais anuidade, em princípio. Recentemente, por conveniências judiciárias, a idade para a expulsória saltou para 75, por isto ou por aquilo, a questão da idade se altera, como pretendem mais uma vez operar na próxima reforma previdenciária almejada. Depois dos 60, você só casa pelo regime de separação de bens, segundo o Código Civil. Em 1967, os Beatles lançaram a música “When I’m sixty-four”, revelando que, para a sociedade britânica “revolucionária” da época, 64 anos seria um marco da terceira idade.
Dito isto, quero sustentar o entendimento de que, nos tempos atuais, a terceira idade começa aos 70. Claro, estou puxando a brasa pra minha sardinha, mas isto não compromete a tese. Ademais, ao redor de um mês, vou debutar nesta faixa. Aposentei-me aos 68 anos porque cansei da paisagem, não pelo fato de que a mente estivesse fraquejando ou de que o físico não mais suportasse alguns trancos. Foi coisa de convicção, de preguiça e organização de vida.
Ninguém supera as marcas do tempo na estrutura física. Jamais me preocupei excessivamente com isto; o preparo físico, para mim, não é uma bandeira, talvez devesse. Há alguns meses, minha filha, com aquele olho crítico e realista que os filhos costumam ter com relação aos pais, viu uma foto minha e achou que era de dez anos atrás e que eu havia mudado. Na verdade, era uma foto tirada há cinco anos e nela eu estava mesmo pouco mais delgado, pele mais lisa, porte mais vigoroso. Num exame médico de rotina no trabalho, há não muito tempo, verifiquei que havia diminuído de tamanho mais de um centímetro nos últimos 5 ou 6 anos. Não dá pra chorar o leite (ou o vinho) derramado. A perda da cabeleira, há vários anos, foi mais grave e dolorosa. Quando, em 2009, fiz meu passaporte português, já tinha perdido meio centímetro. Sei que tem muita gente mais jovem com a lataria quase aos pedaços: não consola, mas podia ser pior.
Embora hoje em dia tão comum, meu projeto pessoal não vai até os 90 anos, seria um deboche. Para chegar bem aos 90, acho que a pessoa deve começar os preparos da terceira idade aos 50, no máximo. A última vez que frequentei uma academia de ginástica - que ficava numa sala do antigo prédio do Colégio Anchieta, na Rua Duque de Caxias, portanto antes de sua mudança - meu primogênito recém havia nascido. Ele já fez 43 anos. Poucos meses naquela tosca academia, ali instalada enquanto não demoliam o edifício, serviram para causar-me uma crise antológica de coluna, dez dias entrevado.
Mas, como dizem, cada um com seu cada qual. O importante é ter os olhos voltados para o amanhã, sem ficar preso ao passado. Cultuo, relembro com prazer, o dia de ontem, mas acho que ser da chamada terceira idade é jogar a bola pra frente e ficar na luta, administrando o jogo na manha. Não sou saudosista: cada fase da existência tem seus encantos, desafios e apelos. A conhecida "patetice" dos mais velhos, nos acidentes e entreveros mais banais, é verdadeiramente um saco, mas autopiedade é besteira. Afinal, nossa auto-imagem custa bem mais a envelhecer e daí deve emergir a nossa potência reativa e restauradora.
Não se deve ficar mais velho por medo, antes da hora. É preferível que os outros reconheçam nosso envelhecimento, "petit à petit", bem antes que a gente mesmo o faça. Temos de acreditar que "la nave va". Afinal, sempre há tempo para cultivar nossos amores ou novas afeições e aventuras. Tempo para projetos que empolguem, para o "carpe diem" e para não se ficar prisioneiro das sombras do inevitável, que é o destino natural. Na pior das hipóteses, haverá sempre muita ocasião para belas memórias e sentimentos delicados.