Um tio que conhecia a magia da infância
Muito provavelmente minha infância não teria sido a mesma sem ele. Meu tio Antônio Duarte Moraes ou simplesmente Tio Moraes (como todos os seus sobrinhos o conheciam) nos deixou no último domingo (14/07), aos 80 anos. Como meu pai, que partiu há quase uma década, sua morte é mais uma perda dolorosa na minha vida e na de todos aqueles que os conheceram de perto.
Na minha infância, na isolada Boa Nova-BA da década de 70, as ruas, praças, quintais, estradas e rios eram extensões da minha casa. No entanto, a casa de Tio Moraes, depois da minha, era para mim o lugar mais fantástico que uma criança poderia desejar. Seus filhos, os meus primos Cleide, Cláudio e Clésia, tinham um mundo à parte para brincar, para viver intensamente a infância. No quintal ele chegou a construir vários pequenos cômodos, um para cada filho guardar seus brinquedos e brincar com os respectivos amigos e um para todos brincarem juntos.
Passar uma tarde na casa de Tio Moraes era como entrar no universo mágico do Sítio do Pica-Pau Amarelo. Ele, sempre com a cumplicidade de Tia Judite, sabia exatamente o que fazer para nos deixar felizes. Lembro-me das várias vezes em que ele montou a estrutura básica para que meus primos, eu e amigos pudéssemos brincar de circo. Detalhe: ele fazia questão de ficar na “portaria” “cobrando o ingresso”.
Também foi na bicicleta do meu primo Cláudio, uma Monark média cor laranja e com garupa, que andei de “magrela” pela primeira vez. Apesar de ter sido nela também a minha primeira grande queda, deixando-a em estado lastimável e a minha mãe, furiosa (já que dei prejuízo para meu tio, seu irmão), o episódio foi o passaporte para meu pai me dar a minha primeira bicicleta (uma Monark idêntica, mas da cor vinho). Claro que esta conquista teve o dedo de Tio Moraes, que amenizou o acidente lá em casa e ainda convenceu meus pais de que infância sem bicicleta não era infância.
Quem mais teria a ideia de dar ao sobrinho em seu aniversário de 8 anos um carro-de-caixão? Para quem nunca ouviu falar, trata-se de um carro de madeira, com rodas de madeira envoltas de borracha, um volante também de madeira ligado por cordas às rodas dianteiras e um freio de mão. Perfeito para o transporte de todo tipo de carga e, claro, para a meninada descer ladeiras íngremes a toda velocidade! Eles eram bastante comuns nas cidades do Nordeste e tinham de vários tamanhos; o que ele mandou Perinho (uma referência em marcenaria para todos os meus conterrâneos!) fazer para mim dava apenas para uma pessoa. Quer dizer, não só para mim, o aniversariante, mas também mandou fazer um idêntico para seu filho Cláudio, já antevendo que o presente poderia gerar ciúme.
Assim que soube, por telefone, da sua morte, um filme inteiro da minha infância me veio à mente. Felizmente, a minha paixão por história e o respeito que nutro pelas memórias coletivas e por minhas próprias memórias me fizeram guardar um dos tantos presentes que ganhei dele. Em 6 de novembro de 1982, em meu aniversário de 13 anos, ele foi me visitar no Taylor-Egídio – colégio interno onde cursei a 7ª e 8ª séries do Ensino Fundamental, localizado em Jaguaquara-BA (cidade onde ele morava desde o início da década de 1980) – e me presenteou com um binóculo. Eu certamente não poderia ver aquilo além do que de fato era: um super presente para um pré-adolescente. Hoje, como muita nitidez, olho para o mesmo binóculo na minha estante e entendo o que Tio Moraes queria dizer: “para você nunca deixar de enxergar longe”.
A tarefa de resumir em poucas palavras quem ele foi e continuará sendo, eu deixo para a sua neta Lara, hoje adolescente, que postou no seu facebook uma foto ainda criança no colo do avô, acompanhada do seguinte texto: “um avô que todos queriam ter, um homem especial, batalhador, carinhoso, atencioso, brincalhão, que tive o privilégio de ter ao meu lado desde que nasci! É uma honra ser sua neta, vô, porque pra mim você sempre estará vivo!”.