UMA BRASILEIRA NOS ESTADOS UNIDOS
Aqui cheguei em novembro de 2003, nesta terra abençoada (mas que não é nem de longe parecida com a "minha" terra abençoada), cheia de esperanças e sonhos, acompanhando meu marido americano, que me prometia felicidades mil, e empolgada com a aventura de morar nos Estados Unidos. Nos primeiros meses, tudo foi novidade! Compramos móveis para nossa casa, compramos um automóvel, nos preparamos para o meu primeiro Natal aqui e (inesquecível!) vi a neve pela primeira vez... Visitei os museus de Washington e seus parques, ávida por aprender, procurando absorver tudo o que podia deste lugar que passava a ser meu lar e me acomodava à nova rotina de minha vida.
Passada a empolgação dos primeiros meses, porém, comecei a estranhar a diferença entre os dois países, a língua, a cultura, a comida, e comecei a sentir falta, principalmente, do aconchego, do abraço apertado, do beijo no rosto, da conversa por cima do muro, de amigos me dizendo: "se precisar de alguma coisa, me liga!" e de companhia... Eu passei a comparar, constantemente, o Brasil com os Estados Unidos, defendendo com veemência as qualidades do primeiro, enquanto atacava com revolta os defeitos do segundo e fiquei mais patriota que nunca, coisa natural em quem mora fora de seu país natal.
A saudade passou a ser forte, sufocava e me puxava de volta pra casa. Meu corpo estava aqui, mas meu coração batia junto de minha gente. Eu me via frágil e me sentia muito sozinha, enquanto ainda tentava convencer a mim mesma que a troca que fiz foi justa e boa. Me sentia deprimida! A necessidade de me ajustar à nova cultura se chocava com o inconformismo da perda do que era meu e me sentia dividida entre os dois mundos, faminta por notícias do Brasil, enquanto a nova realidade nua à minha frente também cobrava a minha atenção. Eu trazia a constante sensação de estar de fora, afinal, o que estariam meus amigos fazendo? Como estariam meus parentes? Como andava a novela das 8?
Como se não bastasse isso tudo, me sentia constrangida em dividir minha tristeza com os que ficaram no Brasil, pois eles não tinham como entender o que se passava comigo e com outros recém-imigrantes aqui, os conflitos internos, as barreiras, a saudade, a falta da família, do simples cafezinho, além de tudo o que temos de lidar, a aceitação das diferenças, a adaptação aos novos costumes, enquanto as marcas de um Brasil que amamos continuam vivas, queimando no coração da gente, nos lembrando, a todo tempo quem somos e de onde viemos. Quem está aqui como eu, entende: somos Brasil, tentando ser América... Damos o impulso, mas o Brasil continua nos puxando do lado de lá e a América nos acolhe com certo receio, porque somos diferentes, porque damos abraço de "urso", porque gostamos de falar e rir alto, porque temos as emoções à flor da pele, enfim, quem está no Brasil não tem idéia, porque basicamente, pra eles, tiramos a sorte grande, somos abençoados por ter vindo morar aqui e isso é tudo.
Em outubro de 2005, depois de quase dois anos de depressão, falta e vazio, visitei o Brasil pela primeria vez e, para minha surpresa, me vi, ao contrário, sentindo falta daqui... Senti falta da América e de minha casa... senti saudades ao inverso. Foi como se um "click", então, tivesse acionado na minha cabeca... Reconheci, nessa visita que fiz ao Brasil, que podia ser feliz onde quer que eu estivesse e aceitei que essa nova cultura, estranha, também poderia ser a minha cultura, sem que eu tivesse que anular o que fui. A saudade, que era dolorida, poderia ser algo suave e gostoso de sentir, como aquela saudade que a gente tem da nossa escola, de um momento especial, de uma pessoa especial.
Entendi, também, que eu nao precisava enviar um email a cada dia para os meus amigos, perguntando como estão as coisas, implorando por novidades, nem tampouco me lamentando por estar longe! Poderia, sim, escrever aos que amo, para contar sobre mim e falar de minha saudade sem tristeza, sem depressão, sem melancolia, apenas com aquele amor que vai durar pra sempre...
Voltei com novas energias e esperanças, apesar de saber que é difícil viver geograficamente em um país, quando se vive culturalmente em dois, mas ciente de que ainda é mais difícil enxergar o caminho à frente, quando o olhar está voltado para trás...
Nunca vou negar minhas raízes, aliás, tenho muito orgulho de ter nascido brasileira e de ter tido a infância que tive, de ter visto roupas penduradas nos varais e de ter ouvido o som de panela de pressão. De ter olhado para o céu à procura de balão e pulado fogueira no inverno, assim como tomado sorvete no portão e ido pra praia no verão. Tenho muito orgulho de minha história, de minha gente, de minhas tradições e de minha cultura. Tenho orgulho de meu povo sofrido, que faz festa mesmo com a barriga vazia, que faz piadas das próprias desventuras e que traz um bom humor em todo e qualquer momento. Brasileiro sabe ser amigo, sabe ser acolhedor, tem calor, tem paixão, tem suor, tem samba no pé, tem tempêro, tem sedução, tem tesão... Porém, já não me pergunto o que estou fazendo aqui. Aprendi a admirar o patriotismo americano, seu senso de justiça e de honra, seus valores morais, seu passado de vitórias, sua característica mais reservada e comedida, sua presteza e eficiência, sua precisão e equilíbrio. Aqui, vejo a Natureza mais de perto, com seus veados, esquilos e raposas, árvores, grama e arbustos que se cobrem de flores na primavera, grilos que preenchem o ar noturno do verão, a brisa que carrega as folhas e renova tudo ao redor no outono e a neve que transforma a paisagem no inverno. Pertenço também a este lugar, pertenço a este quadro, pertenço... e descobrir que pertenço, me fez bem!
Pois bem, lar é onde a gente tem o coracao... é onde a gente escolhe que seja. Digo isso, pois é possível estar aqui, cultivando uma saudade gostosa do nosso lugar, da nossa família, e ainda assim, ser feliz! É possível transformar o sentimento que nos trouxe pra cá em paixão pelas coisas daqui. É possível curtir a nostalgia das nossas doces lembranças do passado, com os pés fincados no presente... este solo firme e seguro! É possível desviar o olhar daquilo que tínhamos e éramos para o que temos e somos agora. É possível...
O Brasil é um tesouro precioso, guardado dentro de mim, mas não tem que ser dor, nem sofrimento. A minha cultura e minhas raízes são o melhor presente que tenho para meus filhos, enquanto a saudade, agora macia e morna como um colo, vem me acariciar mais do que machucar!