Confissões da Madrugada #1

Desejo publicar um trecho de memórias.

Mas não tenho ideias, lembranças, esperança de aceitação por parte de quem patrocina e nem por parte de quem lê.

Independe dos outros para que eu saiba quem fui, reconheço. Porém não há agora maior conforto que não justifique em alguém o fracasso que serei. Chegava o meu avô de criação a nos encontrar pelos buracos descobertos na velha casa e sentenciar: “nada de secretagem por aqui!”... E a nossa intimidade estava revelada. Primos, primas, crianças, mãos, mostra, desinocência à vista... O passado era uma vontade interrompida. Algum velho proibido negava. Está muito prudente de minha parte, portanto, que alguém arque pelo insucesso de meus futuros versos.

Não há mal que dê pra sempre. Nem um bem que a todo dure. Caso haja em mim algum desejo incomodativo, serei criativo, num verso sem rima como matéria-prima. Que cafonice! Por isso a preguiça nunca deu certo! Poderia pesquisar alguns planos que me dão à memória, poderia vasculhar os caixotes pendurados no convés da família, poderia enxugar o degelo dos amigos que não se veem há anos. Poderia. Devo. Deveria.

Entretanto, procuro uma rima se a rima não há; vislumbro bom gosto encharcando de sal; percebo vantagem em fazer o que não sei. Estarei, poucas décadas adiante, um velho beócio de humor muito raso e frequente ausência do mundo. Sei que não, mas memórias não há. Com menos de que idade se é merecida uma biografia?

Tentarei a arte do discurso, pois frescuras à parte, à arte da guerra não fui lá com a cara. Buscarei convencer a quem jamais lerá minhas páginas: o quanto colosso eu podia ter sido. Narrarei a bravura de quem tratou com o santo a prisão do capeta. Discorrerei sobre a mesa da sentença final: foi deveras suado inverter um século inteiro!

Vi montanhas crescerem e previ que se tornarão planaltos. Vi dezenas de estragos que as chuvas farão. Vi o inverno chegar ao contente polar. Vi desertos, desastres, florestas, marés... Vi que tudo se forma de baixo pra cima. E por isso mesmo – tamanha obviedade – me convenci de que jamais serei eterno.

O eterno é muito longe. Quem de mim se lembrará quando ao tempo for tragado? Tenho pavor de ser eterno... Tenho preguiça de pensar que um dia pode nunca acabar. E nesse dia estou eu lá, velho, rabugento, querendo partir e o acaso não deixa. Permita-me que eu fique só. Dê-me licença para o meu recolhimento. Caia fora, antes que eu perca a impunidade! O eterno é óbvio demais.

Preciso inventar falsas mentiras.

Desejo ocultar-me atrás do desejo em publicar um trecho das memórias que terei.

Obrigado por fazer parte.