Cultura de Massa X Cultura Popular
Lembro do próprio Ariano Suassuna contando em uma de suas palestras o que pensava a respeito de determinados artistas e alguns estilos musicais, principalmente do seu espanto ao ler uma pequena resenha sobre a banda Calypso e ao ver o Chimbinha ser citado como um artista ´´ genial´´. O Ariano, como sempre acostumado a transformar tudo em graça e ironia, soltou logo uma resposta ´´ genial´´. ´´ Se uso um adjetivo como esse (genial) para o músico Chimbinha, que adjetivo irei usar para comparar Beethoven? ´´, dizia ele. Cá pensei comigo mesma, que adjetivo usaria para o próprio Beethoven se estivesse vivo, numa comparação como essa? Certamente, não daria pra dizer que o Chimbinha é tão bom quanto ele ( o Beethoven).
Também não tenho nada contra o artista, mas entendo que a forma como são produzidas certas músicas e tratadas pela mídia e logo ´´ engolidas´´ pelo público e pela sociedade é pra ser pensada, entendendo que a letra é tão importante quando a própria dança. Qual a minha intenção ao dizer´´ Nossa, nossa assim você me mata. Ai se eu te pego, ai se eu te pego´´para quem as ouve? Com certeza não parece ser tão boa. Imagine isso caindo diretamente para o ouvido de uma criança ou um pré- adolescente! Poderia até dizer que isso é normal, que ainda é uma criança... mas, bem lá na frente você, como mãe ou pai pouco se dará conta de que um dos motivos e explicações para certas mudanças de comportamentos estão atrelados à música. O que posso esperar de alguém que foi educado a vida toda ouvindo o ai se eu te pego e demais letras como essas? Poderia então, no futuro, simplesmente culpá-lo?
Calma! A culpa não é do público, nem da sociedade e muito menos da família. São apenas valores que vão deixando de existir aos poucos, nós mesmos somos vítimas dessa ´´ cultura´´ que tende a dar muito mais importância ao que cabe melhor no bolso do que nos ouvidos. Uma ´´ cultura´´ cujo o mais importante é vender mais de um milhão de discos, fazer sucesso e tapar os olhos de quem tenta enxergar melhor a realidade e o país em que vive. E isto, infelizmente, nem o Calypso, Luan Santana... e outros artistas podem fazer.
E quais as consequências disso tudo? Como dizia o Milton Nascimento´´ nada será como antes´´. Vivemos num mundo onde a internet e os principais meios de comunicação conseguiram chegar até as áreas mais distantes e nem sequer imaginadas anos atrás. Nem o sertão é mais como antes. O próprio barulho do mar, do vento, da chuva, dos pássaros, foram substituídos pelo ruído da televisão e do som estéreo. Na cidade, as conversas e rodas de amigos estão quase sempre interrompidas pelo toque do celular ou das teclas de um Iphone, e as viagens e passeios, pelo clique das máquinas digitais. Desse modo, fica fácil imaginar até que ponto a nossa cultura original e a nossa própria identidade vão se perdendo no meio do caminho e passamos o resto da vida tentando reencontrá-la.
Gente com dificuldades de descobrir comidas típicas e bebidas de sua própria cidade natal é o que não falta. Do mesmo modo é com a música. Hoje já não consigo escutar um forró com o do Luíz Gonzaga na rádio, na TV ou ao vivo, nos principais eventos de música. O verdadeiro axé está em pouquíssimas bandas e o sertanejo puro, nem lembro. Nem o rock é mais valorizado como antes pela mídia. Se conheço muitas bandas hoje é porque tive a sorte de não depender apenas dos programas de TV e do rádio.
Estou cansada de ver os mesmo artistas no palco sendo tratados como verdadeiros deuses. Sinto muito dizer que conheço muita coisa tão importante sendo produzida no Brasil quanto os principais nomes da música, como Titãs e Lulu Santos e que merecia a mesma atenção. Se a maioria das pessoas tivessem a mesma oportunidade de ouvir coisas novas desistiria até de considerar o Roberto Carlos como um rei e a Xuxa como rainha dos baixinhos. Na minha cabeça, prefiro imaginar o Arnaldo Antunes, que como grande sobrevivente da música brasileira, até os dias atuais consegue criar boas composições, ao contrário do Roberto que deveria parar um pouco para lembrar de como era os seus antigos trabalhos. E a Xuxa? Até hoje nunca entendi qual a sua contribuição para as crianças. Para mim, as canções de Palavra Cantada são muito mais proveitosas e de deixar até adulto voltar a ser criança e não parar de cantar..Enfim, perderei meu tempo nessas comparações absurdas que a mídia tenta a todo custo nos empurrar como verdadeiros idiotas.
É por isso que digo que nada será como antes, é a cultura de massa se sobrepondo à cultura popular. Mas cabe a cada um de nós o resgate de nossa própria cultura, pesquisando e trabalhando melhor os nossos ouvidos e nossos olhos. Estar aberto a tudo que é novo tendo um olhar crítico, resgatando valores e ao mesmo tempo desprendendo de preconceitos, entendendo a realidade como ela é e ao mesmo tempo não a aceitando como tal, procurando a cada dia melhorá-la. ´