MEU TIO FON-FON

     Apesar de ter nascido no interior do Estado, meu tio tinha o cheiro das praias cearenses, sua voz lembrava a boemia carioca e o que é mais importante, para mim era como se ele fosse um legítimo mossoroense. E talvez tenha sido ele a minha inspiração para desejar tanto, desde a infância, a vir morar em Mossoró. Meu tio tinha sabor de sorvete... Do meu primeiro sorvete, aquele de casquinha com uma única bola cor de rosa e com a sua alegria ele deixava meu mundo assim, da mesma corzinha daquela bola de sorvete.
     Quase sempre víamos para casa do meu tio nas férias, e lá tudo podia, ou quase tudo, pelo menos o que era tão reprimido pela minha mãe, lá era liberado. “Deixa as crianças a vontade”, “que mal isso faz”, “deixa de besteira”... Assim falava ele a minha mãe. Pulávamos na cama (até quebrá-la), íamos mais distante no mar, tomávamos banho de rio...
          João Afonso Dantas de Azevedo, mais conhecido por "Fonfon", segundo meu pai ele adquiriu esse carinhoso apelido, por gostar de andar puxando um carrinho de lata pelas calçadas de sua infância, sempre apitando com a boca: "fon-fon! Fon-fon!... Tinha pressa meu tio... Assim como também tinha pressa a caminhonete que o atropelou na manhã de hoje, enquanto ele fazia sua caminhada matinal. Será que deu tempo do motorista apitar? Talvez não. Segundo disseram foi tudo muito rápido e pelo forte impacto ele teve morte instantânea. Não houve tempo para nada, só para ouvir o badalo do sino divino o chamando, porque é assim que vejo a morte, um doce e suave chamado de Deus. Agora ele está feliz nos braços do pai, ao lado dos que se foram antes dele, como seus pais, irmãos e sua esposa.

     Eu também ouço sinos neste dia, como o sino que tocava sempre antes do trem sair da estação, apressando o meu tio a procurar o sorveteiro, para repetir a mesma cena de todas as minhas férias em Mossoró. Tantas vezes eu recebia o sorvete na janela do trem, com este já correndo pelos trilhos. E é assim que me despeço do meu tio com o barulho do sino que apressa a saida do trem, só que desta vez é ele que parte no trem da vida que o leva, enquanto eu permaneço nessa estação...

 
Márcia Kaline Paula de Azevedo
Enviado por Márcia Kaline Paula de Azevedo em 04/05/2013
Reeditado em 05/05/2013
Código do texto: T4273601
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