A Saudade Em Cinco Linhas
Achei que deixaria saudades. Acreditei que pudesse me tornar inesquecível. Desarrumei o calendário, desprovi alguns dias das ações; dei anticorda no tempo, despreparei os relógios da vida: minha função é ser eterno. Funcionou tudo muito bem, até que apertei o Enter e a tela desceu: os fatos se reconfiguraram: terça veio após a segunda, o despertador é inimigo do sonho, o expediente tem sorrisos e o expediente tem desânimo. A saudade, se verdade, é frequentada todos os dias. E ninguém se lembrou de mim. Não armei despedida, nem falei tchau, tampouco a sensação do até logo. Ninguém ta a fim de lembrar. Achei que deixei saudade. Acreditei que sou inesquecível. Na minha memória – e isso a mim me importa – também não estou. Saudade se conserva todo dia – sou desprezível a ponto de eu mesmo não me lembrar de mim. Nem o tempo: porque essa minha face oculta diante de tanta idade toda? Nem os amigos: há décadas não confidencio alguma invenção. Nem aqueles que sempre me quiseram. Agora já não querem mais. Na época da novidade nossa de cada dia, a saudade é uma metáfora inacabada. Fugi de mim mesmo, esse foi o lance. Irreconhecível por quem eu era antes mesmo de ser, esse foi o lance. Mudei tanto de quem fui, que o lance mudou de lado, acabei-me frustrado por esporte. Tornou-se um vício, desacoplou-me à razão. Deslumbrei. Desconsiderei que saudade é verdade do tempo. E assim não deixei saudades, nem remorsos, nem legados, exemplos, contribuições, heranças nem herdeiros. O que ficou foi o desprezo, em outras palavras, aquilo que foge de si. Ou do que era pra ser, talvez porque, de fato, nunca foi.