DESAFIO

Que me abram todas as folhas de um desafio. Rabiscarei uma a uma até que sejam dignas de aplauso, e, após, colocarei a minha assinatura.

Não temerei – embora o medo também atue como um desafio, pois que nos coloca na vida sem as chances – e também jamais usarei de imprudências.

Vou encarar cada desafio a peito livre, mesmo que tenha eu corrido várias vezes antes de respirar, ou dormido tanto sem acordar, ou fugido à revelia sem nem mesmo procurar.

Ceder o coração ao fordicídio moderno também às vezes não machuca ninguém, verdade seja verdade: a não ser que eu procure a rotina dos cabarés: nem precisarei de tanta velocidade assim.

Mas, a intensidade, sim! Dessa não abro mão!

O cansaço despraz, pois bem, mas a preguiça anula. É interessante viver entre o que se preza e o que nos murcha, já que a graça está nas possibilidades do ar que nos repleta. No inverso, o porre é apenas existir entre o que poderia ser e o que não foi – na impossibilidade discreta que a preguiça impõe.

Caso haja precipício, darei a volta; se vierem os inimigos, distribuirei sorrisos; na presença do impossível, cutucá-lo-ei no ombro: quero ter uma conversa franca com aquilo que não há. E se não há, deverá ser.

Posto que eu não respeite o tempo – nem sigo as rotinas, tampouco me preparo, deparo-me com as circunstâncias e nelas não me arrependo.

Taí o segredo da roda – aprender que o amor é a troca plena; saber que não há mal nem bem: há sorrir e entristecer; empreender o imponderável: só para o lucro revelar-se em abstrato; colher das memórias despojadas: e representar o presente durante o futuro.

Quero desafios. Preciso dos desafios.

Desafio os desafios!

Não para viver a dez, a cem ou a mil. Não para visitar o mundo inteiro. Não para fazer-me gigante dentro de um minúsculo desenho vivo.

O nácar que envolve a vida traz mais ostra do que pérola: o maior desafio à criatividade é um papel em branco. Criar, agir, fazer... Eis a única possibilidade. Dará certo? Talvez. Não dará certo? Talvez.

O que importa é a coloração final de todas as folhas que rabiscarei nesse imenso diário que é o desafio de viver.

Outra coisa importa: poder, um dia, fechar o livro após ter contado risco a risco, cor a cor, como se desenha um arco-íris no destino.

A minha vida é traçada em aquarela.