Tudo de mais é veneno

Mariano praticava esporte com satisfação. Nada impedia sua corrida matinal no parque da cidade, a pouca distância de sua casa. Percorria seis quilômetros em ritmo acelerado, sem demonstrar o mínimo cansaço. Nem mesmo as dores musculares, uma raridade, minimizadas por rigorosos e preventivos alongamentos físicos, o afastavam dos meios esportivos. A pista de cooper, asfaltada e bem conservada do parque municipal, e a quadra de futsal, local de suas exibições vespertinas, às quartas e sextas feiras, eram um convite irrecusável.

Após as corridas diárias, Mariano encontrava-se com o amigo Elias, a fim de praticar outra modalidade esportiva, o tênis. Duas vezes por semana, chovesse ou fizesse sol, também jogava uma peladinha com os colegas de faculdade, em campo de futebol do clube do qual era sócio remido.

Amantes do esporte bretão, Mariano e Elias torciam por agremiações diferentes. O primeiro, pelo Flamengo, um timezinho de pouca significação, enquanto o segundo vibrava com as constantes vitórias do Vasco da Gama, cujo pendão alvinegro tremulava, impávido, sob os aplausos de sua inflamada torcida.

Os dois amigos desfrutavam de bons empregos. Mariano era assistente legislativo da Câmara dos Deputados, apadrinhado por parlamentares do PH2 – Partido do Homem Honesto e Elias assessorava um senador do PMI – Partido dos Mensaleiros Intocáveis. Ambos exerciam funções bem remuneradas, sem trabalhar. Sequer compareciam à Câmara e ao Senado. Daí, explica-se o tempo disponível para a prática de esporte e o comparecimento diário às academias de ginástica.

O corpo bem definido de Mariano mostrava os músculos que responderam aos exercícios praticados em modernas máquinas e equipamentos de fisiculturismo. Ele os exibia com ostentação. Às mulheres, o fazia com declaradas intenções; aos homens, o propósito era intimidá-los e mostrar-se superior.

Em noite de final de semana, Mariano foi ao mais badalado restaurante da cidade. Ao chegar, distinguiu em uma mesa próxima uma bela mulher, loira, de olhos esverdeados. A jovem encontrava-se solitariamente degustando excelente vinho da carta oferecida pelo luxuoso estabelecimento gastronômico. O rapaz aproximou-se. Delicadamente, perguntou-lhe:

– Posso sentar-me e fazer-lhe companhia? – disse com voz impostada, sem demonstrar temor ou vacilação.

A reação da mulher foi inesperada. Levantou-se da cadeira e, de pé, respondeu alto e bom som:

– Que atrevimento, senhor! Não seja mal educado. Transar comigo? Você acha que sou uma vadia? Pensa que seu porte atlético é capaz de intimidar-me? Retire-se, canalha!

Mariano ficou desconcertado. Não tinha onde esconder o rosto, de vergonha. Todos os clientes do restaurante ouviram a reprimenda da jovem. Tentando desfazer o mal entendido, disse:

– Não lhe faltei com respeito. Queria apenas fazer-lhe companhia. Nada mais que isso!

A moça estava possessa. Altamente irritada, gritou:

– E você ainda insiste? Atrevido!

O rapaz saiu de fininho. Cabisbaixo, sem olhar para as pessoas sentadas às mesas próximas, foi ocupar um lugar no fundo do restaurante.

Momentos depois, a senhora que se disse injuriada com a proposta indecorosa de Mariano, foi até a mesa onde ele se encontrava e disse-lhe baixinho:

– Desculpe-me, senhor! A forma como lhe tratei exige sinceras escusas. Sou psicóloga e estou estudando as reações das pessoas em situações inusitadas. Não me leve a mal, por favor!

Mariano, envolto em profundo sentimento de vingança, bradou encolerizado:

– Mil e quinhentos reais? Você está louca! Nenhuma puta vale tanto!

A jovem psicóloga retirou-se humilhada. Entendeu que “tudo de mais é veneno”. Doravante, iria rever seus conceitos psicológicos. Sua vida acadêmica não lhe ensinara que cada pessoa, quando confrontada, apresenta reações às vezes inesperadas. “É o que dá psicologia em excesso”, disse a doutora, para si, ao deixar o restaurante, sob os olhares repreensivos da seleta clientela.