O Mar - crônica lírica-
Debruçado na janela da sala, eu observo o nó sendo desatado do precário cais. O barco de madeira descascada e destino incerto, segue o rumo das fraquíssimas correntezas. É tarde. Os irmãos ainda dormem, divididos entre beliche, berço, e uma pouco confortável cama posta ao chão. Nesse instante quase desapercebido, o cantar tradicionalíssimo das madrugadas, invade sem pedir licença todas as humildes casas desse vilarejo. Minha mãe acorda disposta, e em poucos minutos, coloca a água para ferver em um enferrujado bule, e prepara aquele delicioso café. Eu ainda continuo, com os olhos fixos e atentos no grandioso mar.
A pequena embarcação vai seguindo adiante, e com demasiada destreza, vai vencendo as marolas quase imperceptíveis que nascem a todo momento, nos braços fortes e infinitos das gélidas e temperamentais águas. Às vezes, ao chocar-se com uma onda um pouco mais rebelde, tenho o pressentimento que aquele minúsculo objeto móvel, será devastado e devorado por incríveis bocas famintas. E então, sumirá sem deixar rastros pelas obscuras profundezas. Mas, tão logo a grande onda passa, ainda consigo vislumbrar por mais uma vez, o simplório e acanhado barquinho. Vai sumindo pela linha do horizonte como um pequenino ponto obscuro agora.
A manhã já se foi há tempos, e a tarde está quase no fim do seu ciclo. Os ventos começam a mudar repentinamente, e as chuvas fortes desse mês de março, começam a cair. Em questão de minutos, transformam-se em avassaladoras tempestades! Um misto de preocupação excessiva, ansiedade exacerbada, e um terrível medo, começa a tomar conta de quase toda a minha família. Parte das telhas da varanda, despencam em cima de algumas flores no jardim. Ficamos todos juntos no quarto, aparentemente o lugar mais aquecido e seguro da casa. Lágrimas discretas, mas, bem visíveis, escorrem desoladas dos olhos carentes e perdidos de minha mãe. Já são quase nove da noite, e ainda não tivemos nenhum sinal do papai. Meus irmãos já estão em seus confortáveis ninhos, tendo provavelmente, alguns pesadelos. Talvez alguns sonhos. Mas, acho pouco provável. Eu sinto um aperto medonho em meu coração! Faço uma força tremenda para segurar as torrenciais lágrimas, que tentam desesperadas, se libertarem da terrível prisão em meus olhos depressivos.
Observo a minha doce mãe totalmente imóvel, perto da cabeceira de sua antiga cama de casal. Ela olha fixamente para a foto de casamento, que há tempos reside à vontade em cima da cômoda. Paro em frente à porta. A vejo por uns minutos, e prossigo arrasado para a sala. Mais uma vez, estou debruçado nessa pequena janela. Olho para um mar bem diferente daquele que vislumbrei com admiração hoje de madrugada. As ondas estão confusas e bastante raivosas. Parece que querem de todas as maneiras possíveis, pôr para baixo, a fraca estrutura do cais. As águas barrentas e turvas, dilaceram a minha visão, e constroem em minha alma, um sentimento de perda impactante! Nesse exato momento, avisto a muitos metros daqui, uma densa neblina que se forma rapidamente. Meus olhares tornam-se insignificantes e frios. Neles, não habitam mais as revoadas da imensa esperança. Pois eles jamais verão novamente aquele pequeno barco, que ia e vinha despreocupado por cima das marolas e águas calmas, por tantos e tantos anos.
http://alexmenegueli.blogspot.com.br/ 20/02/2013