Biologicamente viva
Chorou pela primeira vez, como não chorava a bastante tempo. Chorara como um bebê que acaba de chegar ao mundo, sem saber ao certo o porquê de tanto pranto, mas se entrega às lágrimas pela simples necessidade de chorar.
Ninguém sabia, no entanto, que quase se afogara naquela noite, embebida pelo sal que ardia na pele se seu rosto. Chorou, como se o choro salvasse sua própria vida. Talvez tenha salvo. Um choro silencioso, para que não confundissem o som de seu alívio com o anuncio da morte da alma. Havia o medo, talvez fosse mais medo que qualquer outra coisa, de cair em seu passado. Ela se lembrava bem de como se sentia naqueles dias sangrentos, e se sentiu igual naquela noite. Tinha se esforçado muito para sair daquela vida, com muito suor conseguiu dar uma trégua na dor; era uma sensação boa, gostava de como estava e não iria mergulhar de cabeça no mar de sofrimentos. Não, dessa vez ela se salvaria.
Suas lembranças estavam frescas em sua memória, sabia exatamente o quanto andara sofrendo e jamais esqueceria, não conseguiria esquecer, as marcas cravadas em seus pulsos a lembrava, todo dia, do quanto ela deveria temer se sentir mal. Aquela garota, até ontem, apostaria todas suas fichas que já estava 100% bem, mas descobriu que nunca mais estaria sã; depois do primeiro desejo de morte a ideia de se matar fica sempre ali e qualquer dor mais intensa a desperta.
Apenas chorou, chorou tanto, mas se manteve viva. Biologicamente viva.