Um Tom

O preço dado ao diamante custa o tempo: do suor de alguém, do carbono da vida, da especulação.

O valor dado ao ouro forjou distâncias imidas, excedidas, vencidas; além do mercúrio da fé do astronauta.

Um tom é apenas uma possibilidade. Encontrar uma cor, soar uma nota correta, falar com leveza, causar impressão. Um tom é um chá, um tom é a temperatura perfeita para efusão das folhas com a água; um tom é a necessidade de trazer o chá ao gosto.

O prêmio indicado na estampa da vida não mede o valor que se vale – sempre a calça aperta no cós, ou é a camisa que revela umas dobras indecorosas. É tempo de ser feliz com a vida, é tempo de ser feliz por ser vida, é tempo do tom da felicidade; é tempo de estar infeliz com o corpo; é tempo de colocar preço na alma.

É o momento de a metafísica explicar o que a preguiça renuncia; é o momento de negligenciar a evolução, a concepção tardia; é o momento de abandonar o dia que o dia abandonará o limite da erudição humana.

O descolado não mais vê através dos olhos do outro: o descolado de hoje mal vê por si: mas detesta-lhe pensar estar por olhos de outro: e em outros olhos para si. A dama não esquece o bordado: mas faz pose de macho, exige a justiça do macho, comunga o rezado do macho. E sonha com alguém que lhe abra a porta do carro. O dono sonha ser dono de tudo; garante que a pose é a plenitude das condutas; faz chão com as pétalas do muco da ganância se preciso for, esconde a primavera se idem, pois é somente dono; apenas sonha ser dono de tudo; mas não sabe abrir, para a dama, a porta do carro. Eis um impasse. Do mundo fastio. Mais um? – Pois não: propõem uma lei que proíbe a saudade. Deviam propor é a saudade: para que nunca mais se apeguem às leis! A doxa do paradoxo, a quanta da quantidade, a réplica dos sorrisos cuja aura deteriorou-se nas fotografias dos jornais. Nenhuma revista revê o acaso, nenhum acaso provoca caso quando por acaso a filosofia perde a razão. Não haverá Kant que precise as nossas intenções! Nem mesmo os platônicos tratados nos revelarão idealizações profundas. Pior sairá doutor Sigmund, com suas calças frouxas entre as mãos enlaçadas em incestos, pretextos e acertos. O descolado de hoje é o velho rabugento de amanhã.

O rock and roll é bom apenas na juventude. A primeira vez só dá efeito se é na juventude. A seriedade, das coisas infundas, é própria da juventude. Seja, portanto, o único idoso possível, o que sai de você, aquele que não mora em você: – juventude, refunde-se!

Amor, desamor, esperanto. A língua do amor era para ser a língua de todos, mas o universo é uma bolha adjacente, e não está nem aí para você, nem aqui para mim, portanto, conspiração coisa nenhuma! Amor se conjuga em esperanto. Amor se pratica em esperança. Amor, desamor, nem tanto: há amor na saudade, há amor na alegria, há amor no sarcasmo, há amor na forma, no gozo, no fraco, no centro, na força que desordena a gente: apenas não há amor em uma condenação. Dizer que é pelo amor de todos, mas sempre com exemplos tão pessoais e impróprios... Não convence nem a razão em se usar razão para a lamentação. O tom do amor está na troca. Na mão que se estende, no sorriso que aceita outro sorriso – o maior conhecedor em despertar sorrisos anunciaria que a negação parte de quem deveria receber um sorriso com outro de resposta, pois, despertar um sorriso não é nada – e, no sorriso que dispensa, arrepender-se. O tom do amor está na troca. Na gente que recebe a saudade como o ido e ocorrido, na gente que nos dá uma surpresa, na gente que dissemina adrenalina da gente, na gente que põe condição definitiva à amizade, na gente que devolve a gente. O amor está no olhar. Não, no olhar abobalhado e sem franqueza de ideias do cinema da Califórnia, não! O amor está no olhar. No olhar em ver o outro como uma cópia de si, divina por isso, mas não uma cópia clonada, uma cópia exata, nascida das más intenções: ver-se, a nós, como uma alma germinada. O amor é uma precisão. Mas não a dos axiomas, a exatidão sem volta, marcada por início e findar: amar é precisamente uma exceção: de si, de você, apenas de nós mesmos, de mim. O amor é a negação de tanta modernidade. O amor por precisão: precisar do outro como se precisasse de si mesmo. Na época que o outro não tem mais tanta importância assim. Contradição? Amar é, por única possibilidade, uma menção coletiva sobre o que ficará da humanidade. Coletividade na época do indivíduo: - pobre amor!

Por que as grandes penas das palavras jamais entendem o humano como alguma progressão positiva? A bondade humana, quando há, está na Sibéria. A liberdade, uma injustiça! Respeito fica a par da restrição. Amor, quando se trata, é de carne e osso, mais carne do que outro. Solidariedade é sempre uma ação reacionária. Traição é natureza, ganância é essência, individualidade é a gênese.

A literatura não gosta da humanidade. A humanidade segue, então, analfabeta. As palavras se confundem entre o real e o passageiro. Apenas a imaginação balança.

Qual o valor em se colocar palavras num papel? O que essas palavras dizem: ideias? Sensações? Retratos? Que medida necessária de aflições ou emoções disseminam os textos? Qual parcela nos corrompe? Quem foi o imbecil que tratou as palavras por epidemia?

A metáfora humana talvez seja eliminar a obsessão de impor valor às coisas. Por mais que você não acredite, o valor do diamante não está na pedra.