FIEL ATÉ NO SONHO

Rinaldo tinha a fama de grande “pulador de cerca”, sua ficha já era mais suja que pau de galinheiro desde os tempos de namoro. Sofia já andava um pouco desconfiada do marido, afinal de contas Rinaldo não era lá flor que se cheire, mas depois de casados nada tinha em mãos que comprovasse a infidelidade de seu homem, andava até um pouco neurótica e com a pulga atrás das orelhas, mas nenhuma pista o denunciava, e olha que Sofia não dava trégua. Conferia os bolsos da calça de seu amor em busca de algum deslize, um bilhete de uma sirigaita, um número de telefone escrito com letra de moça e nada, fuçava em seu celular em busca de alguma mensagem perdida que o incriminasse ou comprovasse tal suspeita, analisava minuciosamente as camisas de Rinaldo a fim de encontrar alguma marca de batom ou algum cheiro de perfume feminino, mas tudo que fazia era em vão, nada havia que denegrisse a imagem de bom marido de Rinaldo, nenhum indício de traição. Será que aquele homem realmente tinha mudado depois do casamento? Será que a preocupação de suas irmãs e de todas as suas amigas, não era nada mais que uma ponta de inveja de sua felicidade? Será? E olha que tentaram inúmeras vezes fazer com que desistisse de casar com aquele que diziam ser o maior cafajeste e galinha de toda a vizinhança. Até a sua mãe que sempre a apoiou em tudo, quando anunciou o casório, houve a imediata resistência da mãe em aceitar tal fato. Dona Joana sempre dizia: “- Minha filha, abra os olhos, este homem não é de confiança, olha que eu quero a sua felicidade, desista desta loucura, volte com o Maurício, ele sim é um homem direito, trabalhador, não bebe, não fuma, homem religioso, pense bem minha filha...”

Mas nada a fez desistir do seu amor, e enfim casou-se. Agora, após um ano de união, estas coisas voltaram a pipocar na sua cabeça, que bobeira, como foi pensar isto de Rinaldo. O trabalho até tarde, a passadinha uma vez por semana no bar com os amigos e o joguinho de futebol todas as sextas-feiras não cheiravam em nada à infidelidade. Pronto, desistiu de pensar nisto, até que um dia...

...acordou no meio da noite com um resmungo de Rinaldo, parecia que falava o nome de Patrícia, seguia a frase sem muita clareza, depois concluía com “...eu a amo!” Pronto, agora não tinha como negar, Rinaldo foi pego com a boca na botija, até aquele momento Sofia havia dado pouca importância para esta mania de Rinaldo de falar enquanto dormia, mas ali estava a prova que faltava. Aproximou os ouvidos bem perto da boca de Rinaldo, desejando escutar mais detalhes deste relacionamento proibido, já com os punhos cerrados e os dentes trincando de tanto ódio. Sofia falava baixinho: “- Fala mais desgraçado, fala mais desta vagabunda...Patrícia, né seu sem vergonha, é ela a sua amante? É com ela que você “trabalha” até tarde? É com ela que você “bebe” toda semana? É com ela que você “joga” seu futebolzinho? Ai que raiva, fala mais, fala seu traidor, eu quero todos os detalhes desta sem-vergonhice...” O fogo nos olhos e a ira daquela mulher estavam a ponto de explodir, quando de repente...

...Rinaldo, acordou sem abrir os olhos, ouviu os cochichos cheios de fúria de sua companheira, meio grogue ainda pelo susto repentino no meio da madrugada, usou da malandragem para ganhar tempo, enquanto retomava a sã consciência para em seguida entender o que se passava ali. Não sabia o que fora o estopim para aquela atitude cheia de ódio de sua mulher, mas teve tempo de associar o sonho cortado pelo meio com a ira descontrolada da esposa. Pensou, pensou e resolveu consertar os fatos, enquanto escutava os murmúrios raivosos de Sofia: “- Fala desgraçado, parou por quê? Fala que eu quero saber tudinho...”

Num ato de astúcia e desespero, Rinaldo se mexe na cama fingindo ainda dormir e começa a balbuciar algumas frases prontas: “- SOFIA, meu amor, ai SOFIA como eu a amo” parava um pouco e começava a roncar, dali a alguns instantes iniciava novamente os murmúrios fingidos da alvorada “- SOFIA, sem você eu não vivo, ai SOFIA...” procurava dar ênfase na pronúncia do nome para não haver má interpretação, com dicção perfeita a cada frase dita, as palavras soavam como sinfonia para Sofia que aos poucos foi trocando aquele semblante carrancudo por um leve e doce sorriso angelical. Agora Sofia cochichava: “- Fala mais Rinaldo, fala mais que me ama, fala...desculpa ter pensado besteira de você...agora eu sei que você me ama de verdade meu amor...”

Rinaldo continuou com aquela encenação por mais uns 15 minutos antes de “voltar a pegar no sono”. Depois disto, tudo se aquietou naquele quarto e a harmonia voltou a reinar naquele lar. Rinaldo que não pregou os olhos naquele restinho de noite, com medo de dar outro fora.

Naquela manhã, Rinaldo acordou com café na cama, beijinhos e palavras de carinho disparadas por Sofia, era meu amor pra cá, meu morzão pra lá, e pelo menos até a próxima pista que denuncie uma suposta infidelidade do marido, Sofia anda feliz da vida e agradecida por ter encontrado um homem tão bom, fiel até no sonho.