Os linguistas têm razão, mas não juízo (texto completo)
A madrugada de ontem foi a gota d’água. Doses de epifania me penetraram as artérias. Descobri a cratera da minha alma. Foi difícil estar à mercê de uma certa gota, de um pingo não tão indiferente. Pobre transbordar estúpido que me fez enxergar onde peco, onde pecam.
Nessa madrugada que me tirou o sopro de ilusão que restava, entendi que sou diferente e que não posso me exigir permitir-me viver na inércia dos mesmos três, quatro, oito anos...um mês.
Mesmo de madrugada, vi o sol. Algo aqueceu aqui dentro. A aspereza com que eu mesma me tratava derreteu. Foi assim que enxerguei do que eu precisava, enxerguei o que o outro não poderia me dar.
E então? Por que conquistar? Por que me fez achar que não havia cratera, desfalques, nem estranhezas em mim? Se já me julgou dentro da normalidade, entende agora o quanto se enganou? Sou diferente. Sou anormalmente sensível a sonhos. Normal é quem não enxerga todas as páginas inéditas que me envolvem. Eu e essa mania de ver muito mais além. Fodam-se as manias alheias de me julgar minusculamente, quando há uma galáxia inteira a me consumir.
A madrugada de ontem foi meu pedaço de chão.
Conformei-me com o fato de que nem tudo posso, de que há certos caminhos necessários e de que a vida vai muito mais além do que ganhar e perder.
Os fatos são pra ser enxergados; as transformações da natureza, aproveitadas. AMOR-AMIZADE. Uma mesma raiz. Que raiz profunda! Que ousadia pleonasticamente destemida de unir duas coisas tão fortes! É essa mistura envolvente que leva e desleva, que muda fatos, retalha o corpo, uni pedaços. Como são destemidos...Os linguistas, de fato, têm razão, mas não juízo.
Apesar de eu ter um amor imensurável e querer transbordar toda essa imensidão ao presenteá-lo com o infinito, ele só pode, talvez, me dar o amor-amizade, algo tão necessário, mas que me deixa a arrastar-me no chão, catando algo que vira poeira ao vento, catando sonhos, concretudes, colhendo o abstrato em coisas palpáveis. Foi assim, entre concretudes abstratas, que a minha primeira torre Eiffel se foi, nem pensei em catá-la do chão. Mas agora preciso colher sonhos. Eu e minhas estranhezas...eu e minha mania de querer que a vida inteira seja poesia.