SUBINDO A SERRA
Conheci Gramado como um pequeno vilarejo encravado na serra gaúcha, lá por meados dos anos sessenta, não muitos anos depois da criação do município, em 1954. Lembro-me vagamente que abrigava um hotel agradável denominado Gramado Parque Hotel junto ao Lago Joaquina Rita Bier, na Rua Leopoldo Rosenfeld, na entrada da cidade, com mais de vinte chalés em que alguns afortunados desfrutavam sua lua de mel e onde hoje acontece espetáculo operístico do NATAL LUZ. Esse antigo hotel era realmente apetecível, mas só me tornei seu hóspede muitos anos depois, praticamente ao final de sua carreira. Gramado, claro, não luzia como hoje, mas a cidade e região tinham imenso charme e prestígio. Lembro-me das paisagens coloridas, das hortênsias, azaleias e araucárias, do Lago Negro, construído pela mão do homem, e do frio enregelante; depois, lá pela década de 70, o Café da Torre (mais precisamente, em 1976), ao lado da Malharia Lucirene, com seus pantagruélicos cafés coloniais, onde serviam, como bebida, chocolate quente, café com leite, chá, suco de uva, graspa, cerveja e vinho colonial, "tudo junto incluído". Lembranças de muitas outras coisas boas, para comer, babar ou sonhar, do fundido de queijo à parafernália de chocolates, inclusive na cidade vizinha, Canela, tão bela quanto, onde muito frequentei o Hotel Laje de Pedra, desde sua fundação. Minha simpatia pelo Município também se deve ao fato de que fui concebido nas terras vizinhas de Cambará do Sul/São Francisco de Paula, quando meu pai, médico, iniciava a carreira atendendo trabalhadores da fábrica de papel e celulose da família Kroeff, sita no Distrito de Ouro Verde. Sem parentes ou amigos com origem nessa boa terra, acredito que tenho algum vínculo com a região, ao menos em meu imaginário. Quando lancei Brumas de Xangri-lá, em 1998, tinha por pano de fundo o balneário mítico de uma vida inteira, mas me detive também na saudosa e próspera Encantado, no Vale do Taquari, que frequentei por mais de 13 anos e marcou minha vida. Quando escrevi o Aconteceu num Verão, em 2005, fiz um retorno ao interior do Estado, desta vez como visitante assíduo da pacata e interessantíssima Lagoa Vermelha - para onde se mudara, a serviço, meu filho - de sotaque gaudério, bela paisagem e poucos, mas bons restaurantes.
Dotada de topografia e clima diversos, para dizer o mínimo, agora é a cidade de Gramado que se estende no meu horizonte pessoal, especialmente porque optei por pertencer-lhe, demarcando em seu território urbano meu segundo espaço de moradia, justamente em frente ao Lago Joaquina Bier e ao Gramado Parque Hotel - hoje prédio municipal. Portanto, de volta às “brumas”, só que às brumas do inverno gélido serrano, sem as reuniões-dançantes de adolescentes enlouquecidos dos anos sessenta, com cheiro de maresia. Gramado, cheiro de mato, está mais para veteranos ou contemplativos como eu, com seus filhos e netos, seus cachorrinhos, ou para os casais de qualquer idade, com o romantismo atiçado pelos cativantes hotéis e pousadas espalhados por todos os cantos; no desfilar tranquilo pelas ruas Coberta, Borges de Medeiros ou São Pedro, com seus badalados bistrôs, restaurantes e lojas de encher os olhos e esvaziar o bolso, se o forasteiro exagerar. Não dá para negar seu forte acento europeu e sua muito boa qualidade de vida. Há restaurantes que servem pratos deliciosos: não é tão fácil encontrar similares no país. É paraíso para gourmet. Claro, há datas em que superlota, como no período de carnaval em nossos balneários. Na Páscoa, a urbe transborda. Pode mesmo o indivíduo sofrer algumas contrariedades, mas onde isto não acontece? Só numa cidade morta e sem muitos atrativos.
Quem está acostumado ao tráfego de Porto Alegre, onde a faixa de segurança para pedestres é geralmente invisível a motoristas afoitos, belicosos, fica abismado ao ver os automóveis parando liturgicamente, de modo gentil, mesmo nas horas agitadas de intenso trânsito. Quando se entra em Gramado, a gente muda de país. Não que essa mudança se deva apenas ao bom nível da comunidade, cuja colonização é principalmente de origem alemã e italiana, mas por uma espécie de convenção ética, por uma norma constitucional não escrita de bom convívio em sociedade. É bem isto: celebra-se um novo pacto social. A cidade é cosmopolita, tomada por turistas comportados, do país e do exterior, o que afeta o preço de algumas mercadorias, sim, mas confere elevado patamar ao conjunto da obra. A questão de preços, você consegue mitigar, pedindo em casa ou descobrindo os recantos certos para o dia a dia. Não é tão grave assim, muitas vezes mais barato que em Porto Alegre, sem falar na qualidade dos restaurantes e botecos. Além do mais, apetece preparar uma "fondue", uma raclete ou delícias outras na intimidade do lar. Embora faça calor ao sol no verão, a cidade é bem mais fresquinha a 830 metros de altura e, à noite, puxa-se, de ordinário, um cobertor para dormir, seguidamente dois, e não estou a falar do inverno rigoroso. Terra de lareira acesa, aquecedores de rua ou de casa, de pelegos nas cadeiras, 3 ou 4 graus a menos que na Capital. Gramado me dá água na boca com a sua cuca de uva, pão com linguiça, geleias, chocolates deliciosos e a imbatível torta de maçã. Adoro café colonial, mas raramente vou, pois é difícil convencer a parceria. Se você é morador, há descontos e isenções nos lugares interessantes e turísticos. A cidade confere, enfim, uma boa sensação de vida de primeiro mundo, inclusive o clima. Li que nosso vizinho, o Hotel Rita Hoppner (aquele do mini mundo), obteve o título de melhor hotel do Brasil e da América do Sul para famílias e casais, além de ser o décimo lugar no mundo. Já me hospedei nele uma vez, antes de 2012 - quando adquiri e reformei meu apê - e é o máximo, com um chá da tarde imperdível e um almoço dos deuses. O que desejo basicamente dizer é que, a menos de duas horas de carro de Porto Alegre, encontramos coisas magníficas, que, em dólar ou euro, custariam eventualmente, bem mais, sem falar das viagens horrorosas, como sardinha em lata. Às vezes penso (mas só penso) em mudar-me para lá, mas ainda sou dependente das vantagens que uma Capital oferece e vou deixando a ideia para examinar mais tarde, quando chegar a tal de melhor idade. Praia é só por uns dias, no verão; no mais, a Serra é imbatível. E Páscoa é sinônimo de Gramado, o problema é que muita gente do Brasil inteiro também pensa assim.