Um minuto de angústia

Nestes dias em que a chuva teimosa umedece a rua, fico a observar as pessoas correndo, lamentando os pés e a roupa molhada, o atraso, a possível gripe.

O céu parece enraivecido, todo coberto e fantasiado de escuridão. Aqui debaixo o fitamos no desejo de ver o sol, todo poderoso, penetrar nele, rasgando a máscara e alegrando os seres terrenos.

Neste vago cotidiano, onde nós, frágeis humanos buscamos dia após dia, um lar, uma casa para morar para,na vidraça, ver as gotas caindo e ficar ao redor do fogo aquecendo e alimentando a esperança, qualquer que seja, contida em nosso interior.

Contudo quando a água é demasiada, chega até nós um medo, um pavor, uma insegurança e, em nossos assombros vimos muros caindo, casas desabando, pessoas fugindo de barco, outras morrendo afogadas.

É tempo de cheias, de barro bastante, mas até mesmo nestas épocas há muitas pessoas completamente vazias. É bom, mesmo assim, sentir a emoção de ver uma criança pisar descalça no barro da rua, ver o velho evitá-la. É agradável fechar a porta quando a noite chega e adormecer, ouvindo o ruído lacrimoso das goteiras. Há os que nem dormem preferem acalentar noite a dentro, um sonho qualquer, mas que, necessariamente não se pode dormir. Seria ótimo ter certeza que, com chuva ou sol, o dia seguinte fosse de igualdade, de justiça e de realizações.

Neste dia chuvoso me deparo acidentalmente com uma cena angustiante.

Eu ia para casa, de certa forma, realizado, porque chovia. Na calçada, vi em minha frente, um corpo adormecido, exalando um cheiro forte de álcool. Pensei no conforto, na alimentação, naquela sensação gostosa que sentimos quando acordamos de madrugada com frio e reforçamos as cobertas. Pensei que ele era gente que vivia como bicho, lembrei-me dos muitos animais, por nós alimentados e cuidados com tanto zelo, enquanto nas calçadas fétida seres humanos são pisoteados e servem de alvos para gozações.

Naquele instante tive um ímpeto de pena, mas fui incapaz de fazer algo, me faltaram gestos e até as palavras.

À noite sonhei que junto à chuva havia uma suave melodia e todos compreendiam que os homens sobrevivem a tudo, exceto a solidão das noites e a consequente falta de afeto. No outro dia tudo continuou igual. Mas de sonhar ninguém por mais influente que seja, irá me proibir.

(Anos 80)

Moacir Luís Araldi
Enviado por Moacir Luís Araldi em 18/11/2012
Reeditado em 22/12/2015
Código do texto: T3992024
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