A história de Kabaro – parte 01
Quando nasci, meu pai me levou pra fora da cabana e me ergueu em direção ao céu, como era costume naquela época e lugar. Meu povo acreditava naquele como a forma de nossas divindades nos vissem pela primeira vez, e assim uma delas escolheria o recém-nascido como protegido. Desse modo, mais tarde os mgangas da tribo saberiam dizer qual era o meu protetor, o espírito que andaria a meu lado. No dia em que nasci, meu pai fez o que todo homem do nosso povo fazia quando nascia um filho ou filha, desde tempos que não eram contados em canções. Entretanto, meu pai foi testemunha de algo que nunca tinha acontecido antes, e que talvez nunca tenha acontecido depois. Ao me erguer ao céu, coisas estranhas aconteceram. O dia se fez noite, e a noite se fez dia novamente. A chuva caiu, e rápida passou. O vento soprou forte como nunca havia soprado naquela época do ano, e veloz como veio, veloz se foi. Na savana, o grito dos elefantes ergueu-se tão alto quanto o som do trovão que ressoou no firmamento. Na orla da floresta, ouviu-se o roncar dos leopardos e os babuínos fugiram em louca gritaria. As divindades vieram, mas quem me escolheu não era nenhuma divindade conhecida.
Apesar da superstição de meu pai e da desconfiança inicial de muitos da tribo, cresci forte, saudável e amado por minha mãe e minhas irmãs. O passar do tempo e minha perfeita normalidade fazia com que aos poucos, todos deixassem de lado a cisma e me tratassem como eram tratadas todas as crianças da tribo. Fui crescendo e me tornava um garoto forte, esperto e sorridente. À medida que o tempo passava, todos na tribo me queriam bem. Eu era rápido na corrida, tinha um sorriso que encantava até as velhas mais rabugentas e nunca fazia nada que incomodasse nas tarefas dos homens, por mais que gostasse de ficar zanzando no meio deles e observando tudo que faziam. Aprendia com facilidade, era prestativo e sempre levava e trazia quaisquer recados ou mandados que me pedissem. Para felicidade de minha mãe e irmãs, e crescente contentamento de meu pai, me tornei uma criança como qualquer outra, sem nenhuma marca do estranho acontecimento que cercou a aurora de minha vida.
Quando chegou o dia da cerimônia em que ganharia meu nome, o mganga mais velho da tribo me olhou com bons olhos. Chamou meu pai em sua cabana para uma conversa e disse coisas para ele. Não sei exatamente o que foi dito nesse dia, mas sei que daquele dia em diante, meu pai deixou de lado qualquer resto de desconfiança que tinha e se tornou um homem mais afável comigo, com minha mãe e minhas irmãs. Os mgangas me chamaram naquele dia e junto com outras crianças da minha idade, me coloquei diante da fogueira cerimonial. Cada um de nós acompanhado de um irmão ou irmã mais velho, ou no caso dos que eram primogênitos ou filhos únicos, do pai ou da mãe, aguardávamos sentindo que aquele era um momento importante. Mesmo que nossa pouca idade ainda não permitisse que entendêssemos plenamente por que. Até aquela idade, eu só era conhecido como filho de meu pai, e meu único nome era o apelido usado em casa, que minha irmã tinha me dado. Até ali, eu era apenas Panya, um nome sem importância, mas o único que eu tinha.
(continua...)