Ó O PICOLÉ!
Há muito tempo que uma frase martela na minha cabeça:
“Ó o picolé!”
Mas, é preciso lembrar que a leitura deve ter a mesma entonação com a qual a escuto todos os dias:
“Óóóóóóóóóóó o piiiiiiiiiicooooooooooléééééééééé!”
Nas tardes quentes e coloridas de sol, muitas pessoas se espraiam nos bancos da pracinha onde moro. Preguiçosamente os homens se aglomeram nas sombras frescas das velhas Sibipirunas. Deleitados em largas horas de descanso, passam o tempo jogando baralho, contando piadas e causos ou simplesmente observando tudo que se passa na praça.
“Óóóóóóóóóóó o piiiiiiiiiicooooooooooléééééééééé!”
É o carrinho do sorvete.
O menino dobra a esquina. O sol é tão forte que faz sua silhueta miúda tremular sob as ondas de calor. Eu o escuto todos os dias e fico imaginando aquela figurinha: boné de propaganda quebrado na testa... Bermuda larga, provavelmente doada por alguma senhora bondosa, cujo filho crescera demais para ela... Braços nus queimando ao sol... Chinelos gastos, tão velhos que a cor já incorporara ao matiz da rua...
“Óóóóóóóóóóó o piiiiiiiiiicooooooooooléééééééééé!”
Ele sobe depressa a rua, tão logo vê a “moita de folgazões” que lhe poderá render alguns "cents". “Vai um picolé aí?”
A cena se repete todos os dias, em todos os verões, em todas as cidades...
E eu fico a repetir o eco de seu anúncio.
“Óóóóóóóóóóó o piiiiiiiiiicooooooooooléééééééééé!”
Estranho que em todas as cidades, parece-me ver o mesmo menino, ouvir o mesmo anúncio, e sempre nesse mesmo tom:
“Óóóóóóóóóóó o piiiiiiiiiicooooooooooléééééééééé!”
Quando éramos crianças, eu e meus irmãos costumávamos brincar quando o sorveteiro passava. Ele anunciava: “Óóóóóóóóóóó o piiiiiiiiiicooooooooooléééééééééé!” E nós acrescentávamos: “De leite deeeeeeeeee muiéééééééééé!”
Mas, hoje, não brinco mais com isso. Fico a imaginar aquele menino, que grita aqui na minha cidadezinha ou acolá nos gerais desse meu Brasil tão grande. Todos os meninos sorveteiros, em todos os lugares, com o mesmo grito a anunciar seu produto:
“Óóóóóóóóóóó o piiiiiiiiiicooooooooooléééééééééé!”
Como é esse menino? O que se passa na vida desse garoto. Será que ele tem que levar todos os trocados que ganha para casa? Quem é sua família? Onde é a sua casa? ...
Fico a ruminar seu grito:
“Óóóóóóóóóóó o piiiiiiiiiicooooooooooléééééééééé!” ...