Pena pesada

Estou velho. Meus setenta e dois anos denotam dificuldades próprias da idade. A locomoção não é mais a mesma de alguns anos, agravada pelas crises de angina pectoris e pela artrose que me acomete os joelhos. A primeira ocorrência ameaça o coração frágil e carente de irrigação sanguínea, enquanto a outra cobra onerosa conta dos anos vividos em mais de meio século.

Sou teimoso, como todo nordestino de vida difícil. Deixo de lado as lamentações físicas e aventuro-me mundo afora, em excursões que exigem esforço, principalmente de memória, ao pretender descrever o que vi em lugares distantes e ricos culturalmente. Esta é a vida que levo, forçando o tempo, agradecido a Deus pela generosidade de permitir que meus desejos se cumpram antes de o sol de minha existência declinar rumo ao ocaso.

Em 1º de outubro de 2012, cheguei de mais uma viagem. Saí do Brasil para conhecer parte da Europa culturalmente rica. Acompanhado da esposa e da filha mais velha, fui à Viena, na Áustria; Praga, na República Tcheca; Bratislava, na Eslovênia; e Budapeste, na Hungria. Antes, estive em Portugal. Revi a capital lusitana pela segunda vez, e conheci Évora, Coimbra, Guimarães, Braga e Porto. Foram cinco dias de agradáveis passeios.

Não pretendo relatar a caminhada exaustiva, porém gratificante, realizada por lugares centenários e milenares do Leste europeu. Também, não falarei dos passeios por terras portuguesas, exceto Coimbra, a Cidade dos Estudantes, conforme a ela se referem os lusitanos. Portugal foi reconhecido pelo papa, como reino, em 1179. A confirmação pontifícia da Universidade de Coimbra, todavia, ocorreu em 1290.

A Universidade de Coimbra é para os portugueses uma referência da cultura de seu povo. O mundo a respeita como instituição centenária, quase milenar, em que o conhecimento destaca-se pela diversidade de seus cursos de alta importância. Coimbra prepara-se para receber o título de Patrimônio Mundial, baseado em sua riqueza arquitetônica e artística. Desde 1537, ela ocupa o edifício habitado por sucessivos monarcas, entre os séculos XII e XV. Ali nasceram todos os reis de Portugal, da Casa de Borgonha, exceto D. Pedro I (não confundir com D. Pedro I, imperador do Brasil).

Visitei algumas dependências do monumental edifício da universidade. Dignas de destaque, registro visitas à Capela de São Miguel, cujo interior foi reformado em 1544, revestido de azulejos, com o órgão em estilo barroco; a Biblioteca Joanina, edificada sobre o antigo cárcere real, é uma das mais luxuosas bibliotecas barrocas da Europa; o Cárcere Acadêmico, destinado à detenção de estudantes, pela prática de algum crime, tinha como finalidade separá-los dos criminosos comuns.

Embora não os tenha visitado, cito o Museu Acadêmico, Museu de Física, Museu de História Natural, Museu Antropológico, Museu Botânico, Museu Mineralógico e Geológico, Museu Zoológico, Museu do Instituto de Anatomia Patológica, Museu do Observatório Astronômico e o Teatro Acadêmico Gil Vicente.

Não pretendo ir mais além do que descrevi até agora. Fiquei impressionado com a estrutura acadêmica, a arte e a arquitetura da Universidade de Coimbra. Ainda trago impreginado na lembrança, sua extraordinária biblioteca. Por outro lado, não entendo porque um centro de excelência como esse, que no passado foi palco de grandes embates literários, formou boa parte da intelectualidade de alguns países, inclusive do Brasil, e no presente ainda se reveste de alto conceito no âmbito das artes e das letras, concedeu a Luiz Inácio Lula da Silva, um semianalfabeto, que jamais leu um único livro, o título de Doutor Honoris Causa.

Como dizem os portugueses, usando a forma verbal infinitiva, fico a pensar se não teria sido mais interessante tê-lo trancado na Prisão Acadêmica, separando-o da intelectualidade, a fim de não contagiá-la com suas bobagens. Preso naquele ambiente hostil ao seu gosto, talvez refletisse melhor, ao ser forçado a ler, com as dificuldades peculiares de "homem sem letra", os incontáveis livros da suntuosa biblioteca da universidade.

Teria este escrevinhador, ao final, dito alguma bobagem? Quem sabe, dessa forma, receberia alguma homenagem. Aliás, o título de Doutor Honoris Causa é concedido a quem não passou por nenhum exame. Nem mesmo de sanidade mental.