SITUAÇÕES EMOLDURÁVEIS.

Todos conhecemos e estamos acostumados a dias maçantes. Sim, aqueles que não ficam na nossa memória, passando totalmente batido por causa de sua banalidade. Eu tinha seguido todo o gabarito cotidiano de até então, sem nenhuma surpresa notável ou situação divertida digna de se contar.

São dias cinzentos, onde a esperança de que surja algum fato diferente dar uma corzinha na existência é mínima. Às vezes a gente até torce para que aconteça algo meio sobrenatural ou “mutcho loco”, tipo alguém vestido de palhaço acenando para você no ônibus (aconteceu comigo). Conheço gente que, nessas ocasiões, torce para ouvir a notícia da morte de alguém não-tão-importante-para-si, pra abalar as estruturas da vida corriqueira e gerar uma conversinha que fuja do “o tempo tá ruim, né?”.

O engraçado é que foi numa ocasião dessas que acabei descobrindo o significado desses pesadelos repetitivos.

Um amigo me contou – não lembro por qual motivo – que certa famosa lanchonete dentro do “Shopping” da UNISUL possui um segundo andar bastante agradável, ótimo para ficar no mais absoluto silêncio. Só havia uma coisa de errada: o ambiente estava decorado com molduras... vazias.

Sim, molduras vazias. Nada de fotos, nada de desenhos, absolutamente nada. Só as molduras.

“Gostas de escrever, não é? Dá pra pensar em algo sobre o tema”, sugeriu. Concordei. Na mesma noite, a cabeça começou a trabalhar num ritmo diferente. No ônibus da faculdade descobri algo que combinou com o transcorrer daquele dia.

Tudo bem que eu poderia ter refletido sobre qualquer outra coisa ou ter escutado umas musiquinhas, mas entendam: com uma hora e meia de viagem e quase nada para fazer, você tem bastante tempo para pensar na vida. Pode até pensar na dos outros, inclusive.

Descobri que molduras vazias são mais tristes do que imaginamos.

Pense no seguinte: você acabou de contratar um desenhista que lhe prometeu um desenho em aquarela de Jesus surfando sem prancha. Ele pede que você compre uma moldura com certas especificações. Então você, cristão que curte tirar umas ondinhas de vez em quando, compra uma moldura ideal e espera – mais ansioso do que criança perto do dia de Natal – pelo trabalho do artista.

Acontece que você acaba se decepcionando, algo compreensível pois (ATENÇÃO CRIANÇAS, NÃO LEIAM) Papai Noel não existe. O desenho não lhe agrada. Ele é pior do que o par de meias que você ganhou daquela estranha tia por parte de pai no Natal. Apesar do pintor jurar ajoelhado que se trata de um desenho de Jesus, você só consegue enxergar o Tiradentes ali.

Resumo da ópera: sua moldura ficou vazia, pois o desenho destinado a ela não era o que você esperava.

Numa situação dessas, você vai ficar bem triste. Seus planos foram por água abaixo, e será difícil encontrar outra coisa que sirva.

E daí é onde entra o que pensei. Algumas vezes, criamos expectativas muito grandes acerca de algo e acabamos nos decepcionando. Nos encontramos diante um cenário indesejável, indigno de ficar na nossa memória. Essas expectativas são as molduras, enquanto que os resultados são os desenhos. Todo dia criamos uma pequena moldurinha. Se possível, colocamos algo bonitinho ali. Foi o meu caso no dia em que pensei no assunto.

Acho que, no final das contas, sempre há algo de bom em nossas experiências. Claro que nem tudo sai como o esperado, mas sempre dá para aproveitar algo. Triste mesmo é não ter lembrança alguma. Ando tentando fazer esforço para conseguir guardar algo desses dias cinzentos de que falei. Nem sempre dá certo, mas tentar não custa.

E não é que o Tiradentes não ficaria tão feio ali, no cantinho da sala...

Israel Vieira Pereira