NÃO O CONHECO NEM QUERO CONHECER
NÃO O CONHECO,
NEM QUERO CONHECER.
Foram dez anos de um amor intenso e verdadeiro. Doutor Bezerra ao primeiro contato se apaixonou perdidamente, e pensava que, finalmente, encontrara sua derradeira paz. Mas se enganara. Só teve decepção, desilusão e nunca mais esperava revê-la. Daquele tempo, somente o amigo, Professor Hetílico D. Kanna, lhe deixou boas recordações. Entretanto, nunca mais tivera notícias do velho amigo. Não o culpava, pois sabia das dificuldades dos meios de comunicação que campeava por aquelas terras longínquas.
Certo dia, no remanso de sua aprazível casa, um telefonema sacudiu Doutor Bezerra do ócio da aposentadoria. Era o Professor Hetílico. Depois dos rapapés iniciais, Doutor Bezerra perguntou:
- Onde você se encontra? Espero que possamos nos ver ainda hoje...
- Infelizmente não, Bezerra. Eu ainda moro na terra prometida, como você a chamava.
- Então você está falando pelo rádiotrans-missor! – exclamou Bezerra aparvalhado.
- Claro que não! Estou falando pelo tele-
fone, igual ao seu. ...As coisas mudaram por aqui, Bezerra!
- Por favor, Hetílico, não me venha de troça.
- Quando você vem me visitar? – perguntou o professor com a voz saudosa.
- Daqui a vinte anos, quando a estrada não maltratar meu bico de papagaio. Você sabe que detesto estrada esburacada.
- Aquela estrada acabou, Bezerra, agora é um tapete asfáltico.
- Você quer parar de me engabelar, Hetílico. Só falta você me dizer que a televisão agora é um cinema, que tem celular, água tratada, linha regular de ônibus para o Rio, polícia eficiente, que o Fórum é di-ligente e que o prefeito não visa somente o bolso dele.
- Nós temos quase tudo isso, Bezerra. Só não posso garantir pela polícia e pelo Fórum.
- Você quer parar de brincar comigo, Hetílico. Eu reputava você um homem sério... não um mentiroso. ...Você não vai me dizer que agora o prefeito não leva mais piaçava na ambulância, que paga aos funcionários em dia, ao advogado, zela pela cidade e não troca votos por conta de luz?
- O atual, Bezerra, parece que é de outra estirpe, está trabalhando muito...
- Hetílico... – disse Bezerra irascível – se você não parar com as mentiras eu vou desligar o te-lefone!
- É verdade, Bezerra! O homem parece de
outra galáxia!
- Você está ganhando alguma coisa para
me dizer isso? Você é amigo dele? Você o conhece?
- Não. Não o conheço nem quero conhecê-lo. Só espero que ele não se acomode e se torne mais um daqueles prefeitos que você bem conheceu.
- Se é assim, Hetílico, talvez no carnaval eu vá lhe visitar.
- Só tem um problema, Bezerra. Parece-me que o prefeito é deputado ou coisa que o valha. Corre um boato que na próxima eleição ele vai deixar a prefeitura para se candidatar a um cargo mais expressivo.
- Mas o vice também deve ser de outro planeta... trabalhador como o prefeito.
- Aí que está o problema, Bezerra. Acho que ele é daqui mesmo.
- Qual é o nome do prefeito, Hetílico?
- Sinceramente eu não sei. Só sei que o nome termina em “inho ou zinho”, como Francisquinho, Rogerinho.
- Por quê? Ele é baixinho? – quis saber Bezerra com uma curiosidade particular.
- Já lhe disse: não o conheço nem quero conhecer.
- Então está decidido – afirmou Bezerra resoluto.
- Você vem me visitar no Carnaval! – exclamou Professor Hetílico em júbilo.
- Não. Não vou. Eu não posso visitar uma cidade que tenha um mandatário com o nome no di-minutivo. Eu não admito que a cidade que tanto amei e ainda amo, seja governada por um homem cujo nome seja depreciativo.
- Mas Bezerra...
- Já decidi, Hetílico. Quando mudar o prefeito eu voltarei a rever minha linda, apaixonante e maravilhosa Cidade de Prado.
Doutor Bezerra desejou felicidades ao amigo e desligou o telefone.
Jornal de Prado, 30.05.2002
Doutor Bezerra e o Professor Hetílico D. Kanna são personagens do livro de contos “A MORTE DO DR. BEZERRA.”
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