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INCRIVEL - FASTÁSTICO - EXTRAORDINÁRIO

Prado, 15 de agosto de 2007
 
 
 
 
Em 1998 conheci Francisco Alonso. Para minha surpresa ele se achava com a perna direita completamente engessada, devido a um tiro de revólver desferido por sua ex-esposa num rasgo de ciúme. Confesso que o ciúme era plenamente justificável, mas o castigo fora desproporcional e irresponsável. Como era de se esperar o casamento acabou. Continuei a vê-lo em sua residência e as visitas se tornaram uma constante. Nessa época, Francisco me mostrou uma de suas facetas que foi outra surpresa: a de escritor. Ele não se intitulava como tal, dizia apenas que colaborava com um amigo alemão que conhecera na praia de Jericoacoara, no Ceará, e lhe mandava artigos para serem publicados no jornal da sua escola, na qual era professor (xerox anexo). Quando os artigos terminaram, Francisco resolveu, artesanalmente, no computador, transformá-los em livro: As Aventuras de Dois Alemães no Brasil, 176 pgs. Para o inesperado, as pessoas que o leram, teceram longos elogios. Impulsionado, Francisco resolveu escrever um novo livro, que meses depois nasceu com o título O Último Romance, 270 pgs. Mais uma vez os elogios foram efusivos. Devido ao livro, Francisco foi chamado para escrever no Jornal de Prado uma coluna. Os seus artigos revolucionaram a cidade e depois se tornaram mais um livro: Crônicas, Cartas e Sonhos, 211 pgs. Esclareço, mais uma vez, que os livros, inclusive as capas, eram feitos artesanalmente em casa pelo autor. Enquanto Francisco escrevia os seus artigos para o jornal, novo livro estava a caminho: O Profeta de Bruderdorf. 299 pgs. Novo sucesso de críticas. Estimulado pelos amigos, Francisco enviou seus livros para as mais conceituadas editoras do Brasil, situadas no Rio e São Paulo. Aí surgiu a sua primeira decepção como escritor. Os livros foram devolvidos juntamente com uma carta. Nas cartas as editoras elogiavam os livros e os descartavam com as mais estranhas desculpas. O que mais ele estranhava, era que os livros devolvidos, devido a cola que porventura transbordava para as páginas, estavam intactos, dando mostras que eles sequer foram abertos e analisados. Eu cheguei a lhe perguntar se a falta de análise por parte das editoras não era porque teria mandado os livros já prontos e acabados, inclusive com um logotipo da Sol Editora., editora esta criada por ele. Francisco apenas respondia: Pode ser...! Mas Francisco não desanimou. Somente não enviou mais seus livros para nenhuma editora. Escrevia, publicava seus livros em casa e os vendia para os amigos. Após o Profeta, foram publicados: Mariana – a Bruxinha de Corumbau, 155 pgs; A Flauta Mágica, 273 pgs; Diário de um Condenado, 249 pgs; A Morte do Dr. Bezerra, 170 pgs. Em fins de 2006, nos mudamos para a cidade de Eunápolis, a mãe de Francisco, que morava conosco, precisou de tratamento médico especializado. Nessa época, ele tomou a resolução: comprou uma impressora a laser  HP 2410 (dois mil e duzentos reais), uma guilhotina de mesa semiprofissional (mil e quinhentos reais), um novo computador, fez expositores numa serralharia, baners e mandou confeccionar mil capas para seus livros numa gráfica e os distribuiu às livrarias da cidade e cidades próximas, dentre elas Porto Seguro. A iniciativa teve bons frutos, porém não foram os esperados e não decepcionou o autor
                   Enquanto isso Francisco escrevia o seu nono livro: Duas faces, 376 pgs. Em 2007 sua mãe faleceu. Voltamos para nossa casa em Prado e o livro Duas Faces foi terminado.
                   Como a cidade de Prado é essencialmente turística e tem maior fluxo de pessoas no verão, eu sugeri colocar uma tenda na praça de artesanato e vender seus livros. Francisco relutou, disse que não iria gastar dinheiro com tenda e que estava satisfeito vendendo seus livros para os fiéis leitores da cidade. Eu não me dei por vencida. Para incentivá-lo comprei uma tenda e lhe ofertei. Não tendo como recusar, ele a aceitou e a montou na praça. Para surpresa dele, no primeiro dia vendeu três livros. Durante um mês não tinha um só dia que não vendesse um livro. Quando terminou o verão, Francisco estava empolgado com o resultado do empreendimento e dera início ao seu décimo livro: A Revolta dos Cães.
                   Em maio de 2007, certo dia, Francisco me confidenciou: “Tenho vontade de vender nossa moto Shadow e do reboque fazer um baú para sair expondo e vendendo meus livros pelo Brasil”. Eu não fui contra. Sabia que o seu sonho era ser reconhecido como escritor e divulgar seus livros. E como eu poderia ser contra! Eu e dezenas de pessoas sabíamos que Francisco era ótimo escritor e que somente lhe faltava uma oportunidade. Só tinha um problema: estávamos sem carro para puxar o reboque, pois o automóvel que tínhamos fora vendido (a grana estava curta). Mais isso não atrapalharia os seus planos. Francisco foi para Niterói, vendeu a moto e comprou um carro 98 financiando uma parte. Voltou para o Prado e deu início à sua empreitada. Comprou engate para o carro, mandou fazer um baú de madeira e à sua volta instalou adesivo com todas as capas dos seus livros. O baú ficou lindo e era admirado por todos.
                   No dia dois de junho teve início a sua aventura. Partiu para Niterói levando computador, impressora, guilhotina e trezentos livros. Era seu pensamento: se tudo desse certo voltaria ao Prado para buscar nossos sete cachorros e nos mudaríamos para uma capital onde pudesse fazer uma base de apoio. São Paulo seria o destino final.
                   Chegando à Niterói Francisco se hospedou na casa de um amigo e deu início ao seu sonho. O primeiro local onde estacionou o seu reboque foi, por dois dias - sábado e domingo - , junto ao Museu Contemporâneo. Recebeu rasgados elogios dos pedestres e turistas pela sua iniciativa, mas não vendeu um só livro. No domingo seguinte estacionou o reboque na feira de artesanato de Ipanema-RJ. A rotina de elogios continuou. Mas não vendeu um só livro. Ele se perguntou: “O que está acontecendo? Por que no interior da Bahia vendi tanto livro e na capital cultural do país essa decepção?” Mas ele não desistiu. Partiu, por recomendação e incentivo de um “amigo”, para Embu das Artes-SP, onde se encontrariam e ficariam por um mês na casa de uma irmã do pseudo-amigo. Infelizmente o “amigo” não foi. Francisco ficou cinco dias em Embu. Estacionou o reboque junto à praça onde são expostos os mais variados objetos e a noite dormia dentro do carro. Esclareço que Francisco levou para essas eventualidades travesseiros e cobertor. O frio não foi empecilho. A rotina continuou: choveram elogios, mas não vendeu nenhum livro. Decepcionado, resolveu voltar para Niterói e depois para o Prado.
                   Quando estava na Dutra, resolveu visitar Campos do Jordão e tentar mais uma vez vender seus livros. Aleluia! Vendeu um livro. No terceiro dia voltou à Niterói. Dois dias antes de retornar ao Prado, caiu em suas mãos um jornal com uma reportagem sobre a FLIP, Festa Literária Internacional de Parati, que teria início na semana vindoura. Francisco resolveu adiar a volta e se preparou para ir à Parati. Na terça-feira partiu (a FLIP começaria na quarta). Segundo ele, a viagem foi maravilhosa e a cidade é encantadora. Mas voltando a sua história... Ao chegar, estacionou o carro e o reboque junto ao pavilhão principal, longe de uma placa onde era proibido parar. Minutos depois fora informado que, naquele local, nos dias da festa, seria proibido o estacionamento para todos. Resignado, retirou o carro e o estacionou junto ao rio num estacionamento permitido. Armou o reboque, organizou os livros e ficou esperando por algum visitante. Infelizmente o local não era a principal área de circulação das pessoas e poucas se aventuravam por ali. Quando a tardinha caiu, Francisco resolveu visitar o pavilhão e arredores. Ao ver os guardas que tomavam conta do trânsito e os guardas municipais da cidade, perguntou sobre a proibição de estacionar na área do pavilhão. A resposta foi positiva. Não ha-veria proibição nos dias da FLIP para estacionar naquele local. A esperança retornava... Mais animado, Francisco continuou sua andança. Quando estava dentro do pavilhão, surgiu uma luz. Ele reconheceu o escritor Paulo Caruso e se aproximou. Apresentou-se e contou da sua aventura. Caruso ficou empolgado com a iniciativa. Visitou o reboque, ficou encantado com o que viu e recebeu de presente o livro Duas Faces. Conversaram por minutos e marcaram se encontrar no outro dia. Francisco voltou ao pavilhão, mas dessa vez foi abastecido com todos os seus livros. Quando perambulava, avistou Marcelo Tas. Aproximou-se e iniciou um papo. Ofertou todos os seus livros e Marcelo disse recusando: “Hoje não. Amanhã farei umas fotos do reboque e uma reportagem com você, então receberei os seus livros.” Aquela promessa empolgou Francisco, deixou-o com o coração cheio de esperanças.
                   Quando a noite chegou, Francisco voltou ao carro e dormiu. Pretendia acordar o mais cedo possível para colocar o carro e o reboque perto do pavilhão antes que outro tomasse o seu lugar.
                   Quando o dia clareou, tudo já estava pronto. O reboque estava armado e os livros expostos. Francisco sentou-se numa mesa de um restaurante do outro lado da rua e ficou esperando pela primeira visita. Aos poucos o movimento dos turistas foi crescendo. Visitavam o reboque e lhe davam os parabéns pela iniciativa. Aproximadamente às dez horas, a tormenta caiu. Um sujeito, acompanhado por um segurança, se aproximou do reboque. Francisco se levantou de onde estava e foi ter com ele. Curto e grosso o sujeito disse que não poderia expor nem vender os livros naquele local. Francisco argumentou que estava na rua e que os livros eram dele. O sujeito foi intransigente. Mandou o segurança chamar pelo rádio o comandante da PM e este o proibiu de vender e expor os livros, e se caso continuasse levaria todos os livros para a delegacia. Francisco ficou indignado. Como uma andorinha só não faz verão, resolveu obedecer, mas sua vontade era continuar, ser algemado e fazer seu protesto contra o absurdo de numa festa literária um escritor não pode expor os seus próprios livros.
                   Com o reboque desmontado e os livros amontoados sobre ele, Francisco voltou a se sentar no restaurante. A revolta era imensa, ele se remoia angustiado. Foi quando teve a idéia: “Já que não posso expor nem vender meus livros, vou doá-los.” Francisco se levantou, abraçou quantos livros pôde e saiu distribuindo pelo pavilhão. O inusitado foi que Francisco não entregava os livros nas mãos das pessoas, ele os jogava ao chão, aos pés das pessoas que estranhavam aquele gesto. Na terceira vez em que Francisco jogava os seus livros por todo o pavilhão, o segurança se aproximou e disse: “Não faça isso Francisco, não jogue os seus livros no chão!” Francisco teve vontade de responder, mas a voz estava embargada. Atendendo ao apelo do segurança, que já comunicava pelo rádio o seu gesto ao comandante da PM, resolveu voltar ao seu lugar no restaurante.
                   Dez minutos depois, Francisco repetiu o seu gesto. Não no pavilhão, ele se apoderou de uma grande quantidade de livros e se dirigiu a TV CULTURA que instalara uma central para transmitir programas direto da FLIP. Quando Francisco se retirava da TV Cultura, após jogar seus livros pelo chão, uma pessoa se aproximou e perguntou o porquê daquilo. Francisco, com os olhos marejados e lhe faltando voz, retirou do bolso as fotos que possuía do reboque, jogou-as ao chão e disse: “Por causa disso aqui. Cultura neste país é bosta, tem que viver na latrina.”
                   Francisco voltou ao restaurante, pediu uma cerveja e ficou apreciando o seu reboque fechado, ficou apreciando seu sonho ir pelo ralo. Vinte minutos depois, como se eles tivessem combinados, surgiram Paulo Caruso, Marcelo Tas e Carlos Shiliar (desculpem se o último nome não estiver correto). Quando Francisco lhes contou do que se sucedera, ficaram indignados. Caruso disse: “Infelizmente, Francisco, este é o país em que vivemos!”. Um senhor que estava na mesa contígua, que acintosamente prestava atenção ao papo deles, pediu desculpas pela intromissão e disse mordaz: “Se você estivesse vendendo cocaína, com certeza eles deixariam colocar o carro e o reboque dentro do pavilhão!”. Os escritores se entreolharam e ficaram silenciosos. Na hora da despedida, após Marcelo fotografar a carreta pelos mais variados ângulos, todos desejaram sorte a Francisco. Francisco os presenteou com seus livros e eles partiram. Não tendo mais o que fazer em Parati, Francisco entrou no carro e voltou para Niterói. Cinco dias depois, vendeu o reboque, acondicionou os livros que sobraram e as quinquilharias que trouxera no carro e voltou para casa, no Prado.
                   Quando Francisco chegou em casa, seu semblante era de uma desesperança profunda. As primeiras palavras dele foram: O SONHO ACABOU!
                   Eu o beijei com ternura e disse: O SEU sonho pode ter acabado, o meu não!
 
 
 
                   Esta é a real história de Francisco Alonso. Hoje ele voltou a advogar e está escrevendo o seu décimo livro: A Revolta dos Cães.
 
 
Leonilda Oliveira dos Santos (Nida)
 
PS. Quando conheci Francisco Alonso eu tinha 21 anos e ele 48. Em setembro faremos 9 anos que estamos juntos.
O presente relato não é do conhecimento dele, o livro que estou enviando o comprei com uma desculpa de presenteá-lo a uma amiga. O material anexo, CD, o copiei do seu computador sem que ele soubesse.          
                                           
Um grande abraço.